Folha de S. Paulo


A economia (e a nostalgia) dos shopping centers mortos

Dentro do reluzente shopping center de Owings Mills, no domingo anterior ao Natal, só faltava uma coisa: consumidores.

"Jingle Bells Rock" ecoava animadamente pelos corredores e o cheiro de frango teriyaki invadia os corredores vindo da praça de alimentação, mas havia apenas algumas lojas abertas no vasto shopping center. Alguns visitantes caminhavam pelos longos corredores e contemplavam, por entre as barras das portas metálicas trancadas, os espaços que um dia abrigaram lojas como a H&M, Wet Seal e Kay Jewelers.

"É deprimente", disse Jill Kalata, 46, enquanto experimentava alguns dos poucos pares de tênis que restavam no estoque da Athlete's Foot, que deve fechar dentro de algumas semanas. "Esse lugar vivia lotado. E no Natal, havia filas saindo porta afora. Agora, a surpresa é que ainda haja alguma coisa aberta".

O Owings Mills Mall deve se unir ao que profissionais dos imóveis, planejadores urbanos, arquitetos e entusiastas da Internet definem como "shopping centers mortos". Desde 2010, mais de duas dúzias deles fecharam nos Estados Unidos, e outros 60 estão à beira do fechamento, de acordo com a Green Street Advisors, que acompanha o desempenho do setor de shopping centers.

Obituários prematuros para os shopping centers vêm surgindo desde o final dos anos 90, mas a realidade hoje é mais nuançada, refletindo tendências mais amplas que vêm mudando a economia dos Estados Unidos. Com a desigualdade de renda cada vez maior, os shopping centers mais refinados estão prosperando, enquanto redes de varejo caretas como a Sears, Kmart e J. C. Penney estão oscilando, e levam com elas os shopping centers dirigidos à classe média dos quais servem como âncora.

"É uma situação clara de separação entre as pessoas que têm e as que não", disse D. J. Busch, analista sênior da Green Street. Os norte-americanos afluentes "continuarão indo ao Short Hills Malls em Nova Jersey e a outros estabelecimentos dirigidos aos 5% ou 10% de consumidores mais ricos. Mas na barriga da economia houve muito pouco crescimento".

No Owings Mills, a J. C. Penney e a Macy's persistem, mas outras lojas grandes voltadas ao consumidor médio, com o a Sears, Lord & Taylor e a cadeia regional de lojas de departamento Boscov vieram e se foram, entre as âncoras do estabelecimento.

Inaugurado em 1986 e reformado em 1998, o Owings Mills é novo, para um shopping center moribundo. E embora sua localização possa ter contribuído para seu fim, outras forças também desempenharam papel crucial, como as mudanças nos hábitos de consumo e nos padrões demográficos.

"Não tenho dúvida de que alguns shopping centers sobreviverão, mas grandes segmentos de nossa sociedade se cansaram deles", disse Mark Hinshaw, arquiteto, urbanista e escritor de Seattle.

Um fator a que muitos consumidores atribuem culpa pelo declínio dos shopping centers - as compras online - exerce efeito apenas modesto, dizem os especialistas. Menos de 10% das vendas do varejo são realizadas online, e essas vendas tendem a prejudicar mais as grandes lojas do que as cadeias de moda e outros varejistas especializados que operam em shopping centers.

Em lugar disso, o problema fundamental para os shopping centers é o excesso de lojas em muitas partes do país, como resultado de um longo boom de construção de espaços comerciais de toda ordem.

"Estamos vivendo um momento de extremo excesso de varejo", disse Christopher Zahas, economista especializado em imóveis e urbanista em Portland, Oregon. "Ocupar 90 mil metros quadrados é uma tarefa difícil".

Como baleias encalhadas na praia, os shopping centers mortos causam fascinação, além de preocupação. Existe um site muito popular dedicado ao fenômeno - deadmalls.com -, e ele se tornou uma espécie de meme cultural. Uma cena especialmente assustadora de "Gone Girl" se passa em um shopping center deserto.

"Todo mundo lembra de ter ido ao shopping center quando criança", diz Jack Thomas, 26, um dos três parceiros que operam o site em suas horas vagas. "Ninguém imaginava que um shopping center pudesse morrer".

Bem ciente das dimensões culturais bem como do que está em jogo economicamente, o setor de shopping centers está tentando reverter as percepções do público quanto a esses monumentos que celebram o passatempo predileto dos norte-americanos: fazer compras.

Em agosto, o Conselho Internacional de Shopping Centers, uma organização setorial sediada em Nova York e formada por proprietários de shopping centers, contratou a agência de relações públicas Burson-Marsteller "para revelar a história real e pôr fim à visão negativa de que os shopping center deixarão de existir dentro de alguns anos", disse Jesse Tron, diretor de comunicação do Conselho.

Embora seja verdade que muitos shopping centers prósperos continuarão a florescer no futuro, não está claro o que o setor pode fazer para impedir que mais estabelecimentos venham a cair em decadência.

Cerca de 80% dos 1,2 mil shopping centers dos Estados Unidos são considerados saudáveis, com índices de desocupação de 10% ou menos de seu espaço. Mas em 2006 94% dos shopping centers se enquadravam a essa descrição, de acordo com o CoStar Group, um dos principais fornecedores de dados ao setor imobiliário.

Quase 15% dos shopping centers têm de 10% a 40% de seu espaço desocupado, ante 5% em 2006. E 3,4% - representando mais de 2,7 milhões de metros quadrados de espaço comercial - têm desocupação superior a 40%, o limiar do que Busch, da Green Street, define como "espiral da morte".

Os executivos do setor admitem francamente que o setor de shopping centers sofreu uma profunda bifurcação, da recessão para cá.

"Você tem os shopping centers classe A, os grandes do setor, se saindo muito bem", disse Steven Lowy, co-presidente executivo da Westfield, uma companhia originária da Austrália mas que hoje tem alcance mundial no setor de shopping centers. Nos Estados Unidos, ela abandonou propriedades na região centro-oeste para se concentrar nas duas costas, mais afluentes. Na Europa, ela prefere centros urbanos ricos como Londres e Milão.

"Nossos negócios têm foco mais regional e dirigido ao consumidor de classe alta", ele disse. "Há gradientes de shopping centers mortos, moribundos ou estagnados, e tudo que estiver na faixa central do mercado enfrentará problemas".

Tom Simmons, que comanda a divisão de shopping centers da Kimco, outra gigante dos imóveis, na região centro-atlântico dos Estados Unidos, é mais brusco.

"Existem shopping centers categoria B e C em mercados terciários que são dinossauros e provavelmente morrerão", ele disse. "Mas os shopping centers A estão se saindo bem".

No entanto, é difícil distinguir entre as categorias. O White Flint Mall, em North Bethesda Maryland, um subúrbio de Washington, era um estabelecimento afluente, mas agora está lacrado e aguarda demolição. Meia hora a leste, de ônibus, no condado de Prince George, uma região econômica e etnicamente diversificada, o Landover Mall foi demolido em 2006, deixando uma área vazia de estacionamento e uma loja isolada da Sears que fechou em 2014.

As duas propriedades pertencem à família Lerner, que também controla o Washington Nationals, um time de beisebol. A Lerner Enterprises diz que pretende reincorporar os dois locais, mas existem poucos sinais de que isso esteja a caminho.

No subúrbio de Akron, Ohio, o shopping center Rolling Acres desafiou todas as tentativas de reaproveitamento e continua abandonado, com tábuas barrando as janelas e árvores crescendo nas rachaduras do concreto. Antes que ele fosse selado, foi ocupado por invasores e vândalos removeram o cobre da estrutura para venda.

Quando o shopping center estava ativo, "chegavam ônibus cheios de gente", diz Timothy Dimoff, detetive aposentado da polícia de Akron e antigo consultor de segurança do shopping center. "Todo mundo em Akron ainda fala da pipoca doce da praça de alimentação".

O Owings Mills pode estar a ponto de morrer, mas não está em um mercado morto.

A General Growth Properties, sua proprietária original, vendeu 50% de participação nele à companhia de Simmons, e agora a Kimco está trabalhando para convertê-lo em híbrido entre shopping center fechado e área comercial aberta.

Ressuscitar um shopping center morto não é um processo fácil, porém. A demolição do velho Owings Mills e a construção do que o setor chama de "power center", com grandes lojas como Costco, Best Buy e Target, custaria entre US$ 75 milhões e US$ 100 milhões e demoraria de dois a cinco anos, segundo Simmons. Ele antecipa que o Owings Mills se mantenha em seu estado zumbi atual até o final de 2015.

O shopping center morreu, ele diz, porque os consumidores foram atraídos por outros centros de comércio mais refinados no bairro, como o Towson Town Center. Embora o Ownings Mills tivesse sido originalmente projetado como estabelecimento de luxo, passou a enfrentar dificuldades para concorrer depois que a Saks Fifth Avenue fechou sua loja âncora lá, na metade dos anos 90.

"O gênio do shopping center escapou da garrafa", disse Simmons, "e nunca mais voltou".


Endereço da página: