Folha de S. Paulo


Opinião: As raízes angolanas da crise bancária portuguesa

O Banco Espírito Santo, segundo maior banco de Portugal, fez as manchetes dos jornais nesta semana. Uma briga pelo comando do banco provocou o pânico nos acionistas, fazendo disparar os títulos e contaminar os mercados. Mas a mais recente crise de um banco europeu tem um protagonista inusitado: Angola.

Sobre pressão para satisfazer as exigências do memorando de entendimento celebrado com a Troika da Comissão Européia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional em 2011, Portugal caiu nos braços da sua antiga colônia, tornada independente em 1975. A sua tão propalada "geração perdida" providenciou um exército de homens para a gigantesca tarefa de reconstruir o país depois de quase quatro décadas de guerra sem interrupção.

As empresas portuguesas encontraram em Angola os parceiros ideais para sobreviver ao tempo de vacas magras na Europa. O Banco Espírito Santo, por exemplo preferiu a aliança com a "nomenklatura" do petróleo angolana à tutelagem do Estado português. A sua subsidiária no país, o Banco Espírito Santo Angola, que conta com empresas de altos membros do Estado angolano como acionistas minoritárias, consumiu mais de € 2 bilhões dos € 6 bilhões da carteira de empréstimos do banco.

Três meses depois da conclusão do memorando, parece claro que Angola ofereceu um colchão financeiro sem o qual Portugal nunca teria conseguido cumprir as suas metas. Mas a crise no Banco Espírito Santo mostra que esse pacto tem os seus riscos associados. Ao envolverem-se com Angola, as empresas portuguesas comprometeram a sua reputação. Nesta semana, a opacidade dos empréstimos do Banco Espírito Santo em Angola capturou a atenção da imprensa financeira internacional.

No ano passado, a OCDE sublinhava num relatório a forte ligação entre Portugal e vários países com problemas de corrupção, e apontava para os riscos que isso trazia para o estado de direito. Também no ano passado, num ato tão humilhante como simbólico, Rui Machete, o ministro das Relações Exteriores português, pedia desculpa a Angola pelos processos que correm em Portugal contra altos representantes do seu Estado. Esse episódio, como o do caso Banco Espírito Santo, sugerem que, afinal, o envolvimento com Angola, que até agora parecia ser um bom negócio, pode acabar saindo caro para Portugal.

Mathias de Alencastro é doutor em política e pesquisador do St Antony's College, na Universidade Oxford.


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