Folha de S. Paulo


Justiça dos EUA também ajuda a localizar bens da Boi Gordo

A Justiça dos Estados Unidos auxilia as investigações para localizar bens da Boi Gordo e também concedeu a falência da empresa naquele país.

O pedido de falência auxiliar, como é chamado, foi feito pelo representante da massa falida no Brasil.

As investigações estão em curso e vão apurar se houve crimes de evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro nos indícios apontados de desvio de bens.

A falência auxiliar foi aceita há três anos pela Corte americana, mas a informação estava sob sigilo até agora para não atrapalhar o andamento das investigações.

É o primeiro processo de falência auxiliar de empresa brasileira aceito pela Justiça americana, segundo o síndico da massa falida, o advogado Gustavo Saeur de Arruda Pinto.

Recibos encontrados no processo de falência no Brasil despertaram a atenção ao revelarem que parte dos investidores - entre eles jogadores de futebol de times do Japão e da Europa -­ pagava a Boi Gordo diretamente no exterior por meio de duas contas: uma em Miami, da offshore Boi Gordo Enterprises (com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal), e outra em Nova York, em nome da empresa.

Editoria de Arte/Folhapress

Denúncia feita pelo Ministério Público de São Paulo em 2006 já citava operações irregulares feitas fora do país. A Promotoria de Falências também participa das investigações.

Os valores que constam nessas contas não eram computados nos balanços da empresa no Brasil quando ela pediu concordata em 2001 nem foram mostrados nos documentos da falência, decretada em abril de 2004.

Segundo o síndico da massa falida, o objetivo agora é verificar o quanto há de fato nessas e em outras contas fora do Brasil, além de localizar bens no exterior que possam entrar no caixa da massa falida e ajudar a pagar os 30 mil credores lesados pela Boi Gordo há dez anos.

Hoje, em valores atualizados pelo sistema de cálculo do Tribunal da Justiça de São Paulo, eles têm a receber R$ 4,2 bilhões. Quando a falência da empresa foi decretada, eram R$ 2,5 bilhões - valor que inclui os que se habilitaram no processo da falência e os credores que apresentaram impugnações e aguardam resultado desses processos.

Advogados que representam os credores informam, entretanto, que a maioria não tem esperança em receber o valor total investido, mas aguarda ao menos parte do pagamento.

"Nem conto mais com isso. Acho que nunca vou ver a cor desse dinheiro", disse à Folha, o ex-volante Vampeta e hoje treinador do Audax, um dos 30 mil prejudicados pela falência da Boi Gordo.

NOVOS LEILÕES

Cerca de R$ 40 milhões já foram arrecadados com os leilões de sete fazendas, cinco em Mato Grosso e duas de São Paulo, realizados entre 2009 e 2011.

Também foram vendidos dois conjuntos comerciais e dois lotes urbanos no Centro-Oeste, segundo balanço que consta no site da massa falida, criado em 2011 para que os cerca de 30 mil credores cadastrados na falência acompanhem o andamento do caso.

O juiz Arthus Fucci Wady, da 1ª Vara Cível Central de São Paulo, autorizou o leilão de outras cinco fazendas da Boi Gordo para arrecadar recursos que podem ser usados para ressarcir os credores.

Juntas essas propriedades estão avaliadas em R$ 86 milhões, segundo valores atualizados.

Quatro delas estão em Mato Grosso (Lambari D'Oeste, Salto do Céu, Porto Esperidião e Chapada dos Guimarães) e uma em São Paulo (Itapetininga). Os leilões estão marcados para 15 de maio e 5 de junho.

Ainda neste ano, o representante da massa falida espera marcar o leilão da maior delas, a Fazenda Realeza do Guaporé I e II, em Comodoro (MT), avaliada em cerca de R$ 300 milhões.

ESTOURO DA BOIADA

A Boi Gordo foi criada pelo empresário paulista Paulo Roberto de Andrade em 1988.

Até o final dos anos 90, atraia investidores por meio de CICs (Certificados de Investimentos Coletivos), que ofereciam rentabilidade mínima de 42% em 18 meses. Descontada a taxa de administração, o lucro era de 30%, bem superior aos investimentos na época.

A maior parte dos credores é formada por pequenos investidores de classe média que decidiram aplicar as economias no que parecia ser o "investimento do século". Setenta por cento deles aplicaram até R$ 20 mil no chamado "boi de papel".

O prazo de 18 meses era necessário para fazer a engorda dos bois nas fazendas que deveriam lastrear todo o negócio. Mas, aos poucos, o dinheiro dos investidores, em vez de ser investido em gado, foi em parte desviado para outros negócios.

O negócio se sustentou por cerca de dez anos com um modelo de pirâmide: o dinheiro dos novos investidores pagava os antigos.

Com interferência da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que passou a fiscalizar o negócio, a empresa não conseguiu emitir novos certificados e a pirâmide desmoronou.

Ao quebrar, a Boi Gordo declarou ter 100 mil cabeças de gado. Mas, pelos valores investidos, deveria ter ao menos dez vezes mais animais no pasto para pagar todos os investidores. Andrade não foi localizado pela reportagem.

FALÊNCIA

Há 13 nos, a empresa pediu concordata em Mato Grosso. Em 2003, o processo foi transferido para São Paulo, onde estava sediada a empresa. Paulo Roberto de Andrade vendeu os ativos e os passivos da Boi Gordo para o grupo Golin, nesse mesmo ano, segundo documentos do processo movido pelo síndico da massa falida.

Em abril de 2004, foi decretada a falência da Boi Gordo. Dois anos depois, uma decisão em 2006 estendeu os efeitos da falência para outras empresas ligadas à massa falida.

Dez anos depois, o Ministério Público de São Paulo e o representante da massa falida investigam, com a ajuda de uma empresa de rastreamento internacional de bens, o desvio de propriedades, gado e dinheiro de arrendamentos da Boi Gordo.

MUDANÇA DE CONTROLE

Com a mudança de controle da empresa, em 2003, às vésperas da falência, para uma empresa do grupo Golin, segundo consta na ação em trâmite na Justiça que pede a extensão dos efeitos da falência para outras empresas, houve "desvio de parte dos bens".

Uma das fraudes apontadas pelo síndico no processo diz respeito ao arrendamento de uma fazenda do tamanho da área urbana da cidade de São Paulo.

Pouco antes da falência, o contrato de arrendamento dessa propriedade rural foi prorrogado para o ano de 2022, "o que permitiu que fosse explorado pelo grupo, desde 2003, sem nada pagar para a massa falida, devendo hoje cerca de R$ 60 milhões", informa na ação.

Pelos cálculos do advogado da massa falida, a dívida do grupo pode chegar a R$ 220 milhões se incluídos os desvios de bens e o não pagamento de contratos de arrendamentos.

'SOB SUSPEITA'

As investigações também destacaram que, para comandar a falida Boi Gordo, foi nomeado Paulo Roberto da Rosa em meados de 2003. Ele ficou no cargo de diretor-presidente da Boi Gordo por meses, no mesmo período em que os bens da massa falida foram desaparecendo, segundo cita o processo.

"Era representado por procuração em nome de Joselito Golin e suspeita-se ser um fantasma", menciona a ação.

O número de seu CPF consta no site da Receita como nulo; sua certidão de nascimento é de Canutama (AM), mas o cartório da cidade não tem registro de sua existência, e no site da Justiça Eleitoral não há registro de seu título de eleitor, segundo informações do relatório da auditoria de rastreamento.

A Folha também não conseguiu localizá-lo.

Advogados que representam empresas e pessoas que tiveram bens e contas bloqueados na decisão liminar do processo que pede a extensão dos efeitos da falência contestam o bloqueio. Mas até a última sexta-feira, dia 28, a liminar estava mantida.

Com as investigações na Justiça dos EUA, novos leilões e bloqueio de bens, aumentam as possibilidades de os credores serem ressarcidos dos prejuízos que sofreram na maior pirâmide financeira já feita no Brasil, na avaliação do síndico.


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