Folha de S. Paulo


Cerveja premium ganha espaço até em favelas brasileiras

Quando Marcelo Ramos abriu um bar em uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, vendendo cerveja belga por R$ 200 (US$ 83) a garrafa, seus amigos achavam que tivesse perdido o juízo.

"Todo mundo me dizia que eu estava louco, que estava jogando dinheiro fora - que as pessoas eram pobres por aqui", diz Ramos, 39, técnico de telefonia móvel que abriu o bar na garagem da casa de seu sogro no final de 2012.

Pouco mais de um ano depois, seu Bistrô Estação R&R, na favela carioca do Complexo do Alemão, agora tem à venda mais de 200 cervejas de todo o mundo - a mais cara das quais é a Deus, uma cerveja champanhe belga.

Mas não são apenas os moradores das favelas do Rio que começaram a deixar de lado as cervejas comerciais notoriamente fracas do Brasil.

As vendas totais de cerveja subiram 92% de 2007 a 2013, para US$ 44,37 bilhões. As vendas de cervejas premium registraram alta de 131% no mesmo período. As vendas de cervejas premium importadas subiram em 184%.

Para os investidores, esse nicho de mercado oferece um dos poucos segmentos de bom desempenho ainda restantes no Brasil, onde a desaceleração do crescimento econômico e o crescente endividamento lançaram uma sombra sobre o mercado de cervejas convencionais e sobre muitos dos setores de bens do consumo do país, que apresentavam desempenho vigoroso no passado recente.

Lauren Torres, analista de bebidas do HSBC, estima que a cerveja premium responda por apenas 5% a 6% do mercado, por enquanto, ante cerca de 15% em países como os Estados Unidos, o que deixa vasto espaço para o crescimento desse segmento no Brasil - o terceiro maior produtor e consumidor mundial de cerveja.

Depois de adquirir a Schincariol, segunda maior produtora brasileira de cerveja, por R$ 6,3 bilhões, em 2011, a Kirin, do Japão, deve começar a produzir sua marca Kirin Ichiban no país no início deste ano.

Produtoras especializadas menores como a BrewDog, escocesa, também estão planejando tentar a sorte no Brasil. A companhia cervejeira e operadora de pubs sediada em Aberdeen planeja abrir seu primeiro bar em São Paulo este mês, vendendo cervejas da produtora artesanal Way Beer em companhia de seus produtos.

A Ambev, divisão latino-americana da Anheuser-Busch inBev e a maior produtora de cerveja da região em termos de vendas, com cerca de 70% de participação no mercado brasileiro, também tentou encontrar espaço no segmento premium. Reforçou o marketing de suas marcas mais caras como a Bohemia e lançou uma versão ainda mais sofisticada, a Bohemia Royale, no mês passado.
"Vimos a mesma tendência na Europa e nos Estados Unidos anos atrás, mas os brasileiros e latino-americanos em geral sempre demonstraram grande fidelidade de marca", diz Torres. "Mas nos últimos cinco anos o mercado do Brasil começou realmente a se abrir", ela diz, apontando para tendências semelhantes no Chile, onde marcas estrangeiras como a Corona recentemente vêm encontrando sucesso.

Quase 40 milhões de pessoas ascenderam da pobreza à classe média baixa no Brasil, nos 10 últimos anos, criando um grande mercado para marcas que permitam mostrar status, já que os brasileiros estão em busca de maneiras de demonstrar sua recente prosperidade.

O uísque Chivas, da Pernod Richard, por exemplo, recentemente classificou a cidade de Recife, no nordeste do Brasil, como maior mercado mundial em termos de consumo per capita de uísque.

Ramos acompanha esse fenômeno em primeira mão em seu bar no Complexo do Alemão.

TRAJE DE GALA

"As pessoas sempre se vestem bem para vir aqui, e o bar é um lugar popular para festas de aniversário e casamento", ele diz. Muitos clientes preferem beber do lado de fora, não só para reduzir o calor como na esperança de serem vistos por alguém que os conheça, diz Ramos.

Empresas que começam a prosperar em favelas como o Complexo do Alemão também se beneficiaram dos programas de pacificação do governo, nos últimos, que expulsaram ajudaram a trazer investimentos e infraestrutura.

O crescimento do segmento de cerveja premium no Brasil está surgindo no momento em que o mercado mais amplo se prepara para uma desaceleração. De acordo com dados divulgados pela associação setorial dos fabricantes de cerveja brasileiros, Cervbrasil, neste mês, a produção de cerveja caiu em 2% no ano passado - a primeira queda em três anos.

A Ambev anunciou também que antecipa que o consumo tenha caído no ano passado, pela primeira vez em uma década.

"Houve uma redução na renda disponível dos consumidores, porque as pessoas tiveram de gastar mais dinheiro pagando dívidas", diz Paulo Petroni, presidente da Cervbrasil, acrescentando que a queda de 2% equivale a menos uma lata de cerveja por pessoa/mês.

No entanto, a Copa do Mundo e o Carnaval que acontecerá mais tarde do que costuma, este ano, devem ajudar a estimular as vendas, encorajando os brasileiros a continuar bebendo muita cerveja até julho, quando o tempo começa a esfriar.

Para Ramos, isso significa que ele talvez possa largar o emprego na companhia de telefonia móvel e manter seu bar aberto sete dias por semana.

"Agora todo mundo me aplaude - até recebi um prêmio do governador do Rio por inovação nos negócios, no ano passado", ele conta. "Ninguém mais me chama de maluco".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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