Folha de S. Paulo


Impasse entre EUA e China ameaça acordo global de comércio

Um impasse entre a China e os Estados Unidos quanto a quotas agrícolas está ameaçando torpedear os esforços para garantir um acordo com o qual a Organização Mundial do Comércio (OMC) está contando para restaurar sua credibilidade, disseram representantes de governos ontem.

Os negociadores, em reuniões sigilosas em Genebra, estão tentando chegar a um acordo triplo --de facilitação do comércio internacional, e sobre agricultura e desenvolvimento-- antes da reunião ministerial bienal que a OMC realizará no mês que vem em Bali.

Roberto Azevêdo, o novo diretor geral da OMC, que congrega 160 países, afirmou que um acordo como esse é crucial para reabilitar a imagem da organização e recolocar nos trilhos a rodada Doha de negociações comerciais, iniciada 12 anos atrás e paralisada há anos.

Em discurso esta semana, Azevêdo alertou que os negociadores tinham poucos dias para garantir um acordo, se desejam que ele seja assinado pelos ministros em Bali durante a reunião, que acontecerá de 3 a 6 de dezembro. Representantes de governos em Genebra insistem em que é preciso concluir a maior parte dos acordos antes da semana que vem, para que os textos possam ser finalizados e traduzidos em tempo.

Mas um desacordo entre a China e os Estados Unidos sobre a forma pela qual as "quotas de alíquotas tarifárias" para produtos agrícolas deveriam ser administradas está entre os recentes percalços que ameaçam descarrilar as negociações.

A disputa reflete uma batalha mais ampla sobre o tratamento conferido à China na OMC. Pequim tende a se alinhar com os países em desenvolvimento, na organização, e estes tendem a receber tratamento especial ou dispensa de seguir certas regras, sob as práticas da OMC. Mas os Estados Unidos e outros países argumentam que, como potência econômica ascendente, a China representa um caso especial e deveria estar sujeita às mesmas regras que os Estados Unidos e outros países ricos.

O mecanismo de alíquotas tarifárias permite que países apliquem tarifas reduzidas a certas quotas de importações, em geral alocadas por governos, e depois que voltem a elevar as tarifas quando as cotas tiverem sido preenchidas.

Os países em desenvolvimento se queixam de que essas quotas são grandes demais e que muitas vezes não são cumpridas de todo, e que de qualquer forma representam barreira comercial, para os países que não recebem dispensa para reduzir tarifas sobre dados produtos. Eles desejam, portanto, receber acesso "especial e preferencial" a quotas de tarifas mais baixas, por meio de qualquer capacidade agregada que um exportador privilegiado não utilize.

Os Estados Unidos e os demais países desenvolvidos aceitaram a demanda, em princípio, mas os norte-americanos vêm insistindo em que a China também abra seu sistema de quotas de alíquotas tarifárias ao mesmo mecanismo, uma pressão a que Pequim vem resistindo.

Em discurso ao comitê de negociação comercial da OMC na terça-feira, Yu Jinhua, representante assistente do governo chinês para assuntos de comércio internacional, disse que Pequim acreditava que um acordo em Bali serviria aos interesses de todos os membros da OMC.

Mas ele acrescentou que "o texto da cláusula [especial e diferencial] sobre [as quotas de alíquotas tarifárias] não deveria ser reaberto para negociação", de acordo com o texto do discurso postado no site da missão chinesa à OMC.

De acordo com funcionários em Genebra, Azevêdo propôs uma solução de compromisso que imporia um limite de tempo a qualquer cláusula de quotas de alíquotas tarifárias que venha a constar do acordo de Bali. Uma nova versão do texto foi apresentada ontem a todas as partes interessadas, em Genebra.

Mas é incerto que isso resolva o impasse, e não se sabe se os Estados Unidos e a China estão dispostos a permitir o fracasso do acordo de Bali por conta de um elemento relativamente menor do pacote.

Um diplomata comercial sugeriu que a disputa possa ser tática. "Os Estados Unidos precisam culpar alguém se tudo sair errado. E se tudo sair errado, que melhor culpado que a China ou a Índia?", disse o funcionário.

O impasse entre China e Estados Unidos não é a única coisa que ainda precisa de solução. Restam obstáculos em três áreas cruciais para um acordo em Bali.

Os negociadores se reuniriam ontem para tentar resolver como aplicar requerimentos compulsórios de redução de burocracia nas fronteiras e para facilitar a passagem de bens, o elemento mais importante do acordo de Bali. Os países pobres já disseram que precisam de ajuda e tolerância para cumprir os requerimentos de qualquer acordo.

A Argentina, de acordo com diplomatas comerciais, também está pressionando para que o acordo de Bali inclua compromissos rígidos sobre questões de "competição na exportação" relacionadas à agricultura, o que incluiria proibição formal a subsídios de exportação. Enquanto isso, o destino de um acordo proposto para resolver uma desavença entre Índia e Estados Unidos quanto a programas governamentais de segurança alimentar continua incerto.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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