Folha de S. Paulo


Mercado deu lição de casa ao governo no 1º leilão, diz especialista

O leilão de rodovias realizado ontem é emblemático e deixa uma mensagem clara ao governo federal: o mercado é avesso ao risco e exige regras claras para investir.

Para o coordenador do núcleo de logística e infraestrutura da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, a previsibilidade explica a alta demanda em um dos trechos. E a falta dela é a razão para o fracasso do outro ofertado.

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"Não é só aumentar a taxa interna de retorno [TIR] para atrair o investidor", diz Resende, que alerta para o risco de o governo se colocar como sócio em alguns projetos.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

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Lição de casa

O leilão deixou uma lição a ser assimilada pelo governo: a de que o mercado é avesso ao risco, gosta de jogar com regras claras e precisa de informações técnicas aprofundadas.

Eu vejo esse resultado como um processo de aprendizagem pelo governo. Pelo lado do mercado, eu vejo uma mensagem sobre o dever de casa que o governo precisa fazer para as próximas concessões.

Previsibilidade

Os dois trechos oferecidos no primeiro leilão são emblemáticos para o jogo das concessões no Brasil por serem opostos em alguns pontos.

Vamos analisar a BR-050, que teve proposta de oito grupos: o volume de tráfego é reconhecidamente alto e a rodovia já é duplicada --ou a necessidade de duplicação é muito conhecida pelo mercado. Ou seja, o risco era baixo.

Já na BR-262, o volume de tráfego não é muito atraente. E não foi apresentado um estudo de projeção de volume de tráfego que pudesse aumentar o interesse do investidor. Faltou previsibilidade.

Além disso, a necessidade de duplicação era grande --e isso é algo se arrasta há muito tempo, principalmente no trecho do Espírito Santo. O leilão previa a duplicação de parte do trecho pelo Dnit [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes]. Mas como eu vou confiar que o Dnit vai cumprir a parte dele no prazo se esse problema se arrasta há tanto tempo?

Papel do governo

O governo como sócio não transmite confiabilidade. Em todo o processo de concessão em que o governo se coloca como sócio, o risco aumenta, e a tendência é que os investidores se afastem.

O governo precisa aprender que o mercado é avesso ao risco. Precisa jogar a regra clara, garantir transparência e se colocar no papel do agente que vai cobrar qualidade, e não como sócio.

Na concessão de aeroportos, o governo insiste em se colocar como sócio e isso pode prejudicar os leilões que vêm por aí.

Não é só aumentar a taxa interna de retorno [TIR] para atrair o investidor, mas fazer com que o projeto-executivo seja detalhado e transparente.


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