Folha de S. Paulo


Projeto que regula terceirização pode passar por novas mudanças

Após a falta de consenso das centrais sindicais em relação à mudança na forma de representar os empregados terceirizados, proposta que consta no projeto de lei que regula a terceirização no país, o relatório já entregue para votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) pode sofrer novas alterações.

O projeto de lei nº 4.330, que trata da regulamentação da terceirização, é de autoria do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) e tramita na Câmara dos Deputados desde 2004.

No último dia 13 de agosto, o deputado Arthur Maia (PMDB-BA) entregou relatório à CCJ, com várias mudanças no PL original.

A última tentativa de acordo ocorre nesta segunda-feira (2) quando patrões, empregados, governo e deputados voltam a se reunir em Brasília para tratar o tema. A votação na CCJ está prevista para a terça-feira (3).

Parte dos sindicalistas reagiu ao artigo 10 que consta do substitutivo do deputado Maia, que muda a representação sindical dos terceirizados.

O texto propõe que, quando empresas terceirizadas e contratantes forem da mesma atividade econômica, os trabalhadores serão representados pelo sindicato dos funcionários da contratante --empresa principal.

Exemplo: se a terceirizada é do ramo metalúrgico e presta serviço a uma montadora (empresa contratante do serviço de terceiros), o sindicato dos metalúrgicos (que representa os funcionários da contratante) pode representar os terceirizados.

Para as centrais com menor poder de fogo e que atuam na representação de trabalhadores do setor de serviços, dessa forma, os sindicatos mais tradicionais --geralmente filiados a CUT ou Força Sindical-- poderiam avançar em suas bases de representação.

Na avaliação do sindicato dos empregados em processamento de dados de São Paulo, isso significa o "desmonte do sistema sindical".

"A Constituição Federal prevê a unicidade sindical. O artigo 10 é completamente dispensável porque estabelece o direito do sindicato majoritário acionar uma empresa de outro ramo num dissídio coletivo", informa o sindicato.

DIVERGÊNCIAS

Para Sérgio Luiz Leite, representante da Força Sindical nas negociações do projeto de lei, não há impasse na questão da representação sindical.

"Ela tem de ser mantida no projeto porque dá garantias de representação aos trabalhadores terceirizados. Há ramos que são terceirizados, como o de refeições coletivas, vigilância, asseio e conservação que já têm sindicatos para negociar e defender os terceirizados desses setores", afirma o sindicalista.

O Sindeepres, sindicato que representa os trabalhadores terceirizados no Brasil, encaminhou carta à presidente Dilma Rousseff informando que, com o projeto, "o governo apoia uma reforma sindical que só traz perdas para o trabalhador".

O sindicato informa que seria um dos mais prejudicados, caso o artigo 10 que muda a forma de representar os trabalhadores, seja mantido.

"Está sendo feita uma reforma sindical sem debate, sem que o trabalhador tenha conhecimento de que esse projeto, se aprovado, de fato acarretará em sua vida e na de sua família", diz Genival Beserra Leite, presidente do Sindeepres.

"Estabelecer que a representação sindical do trabalhador terceiro seja a mesma do empregado direto é retroceder aos tempos, pois um mesmo sindicato não pode defender de forma igual posições e situações distintas, confrontando a Lei Maior."

Nos bastidores, o que se comenta é que os sindicatos afetados perderiam a arrecadação do imposto sindical ao deixar de representar os trabalhadores terceirizados ou ter de dividir essa representação.

A contribuição sindical compulsória é a principal fonte de sobrevivência da maior parte dos sindicatos do país, segundo reconhecem sindicalistas e especialistas em mercado de trabalho.

Criada no governo Vargas, a contribuição equivale a um dia de salário e é descontada de forma compulsória de todos os trabalhadores com carteira assinada (sócios ou não do sindicato). A mordida chegou a R$ 1,88 bilhão no ano passado --10% desse valor são repassados às centrais.

MUDANÇAS NO PL

"O que posso dizer é que, se não houver avanços na reunião de segunda-feira, devo retirar o artigo 10 do projeto", adiantou à Folha o relator do projeto, deputado Arthur Maia.

Segundo Sylvia Lorena, gerente executiva de Relações do Trabalho da CNI (Confederação Nacional da Indústria), os empregados que prestam serviços terceirizados devem ficar vinculados aos sindicatos da sua categoria profissional.

"Terão seus direitos e condições de trabalho garantidos na forma da legislação trabalhista e nas normas estabelecidas no acordo ou convenção coletiva firmado por sua respectiva categoria. Eventuais mudanças nas regras de organização sindical devem ser objeto de uma proposta de reforma sindical a ser amplamente debatida pela sociedade, e não parte da proposta específica para regulamentar a terceirização", afirma.

Outro ponto de impasse --dessa vez entre patrões e empregados-- ainda é a sobre a ampliação da terceirização em todas as etapas do processo produtivo.

"A falta de normas claras para essa forma de contrato tem trazido grande insegurança para o trabalhador e para as empresas. Com as regras definidas, o empregador saberá de forma inequívoca que poderá contratar serviços especializados, relacionados a qualquer etapa de seu processo produtivo, sem o risco de, no futuro, enfrentar uma longa e onerosa disputa na Justiça do Trabalho", diz a representante da CNI.

"Isso traz segurança jurídica para as empresas, estimula a formalização e protege mais de 12 milhões de trabalhadores", completa.

As entidades patronais dizem estar "alinhadas quanto à urgente necessidade" de se regulamentar o trabalho terceirizado no Brasil.

"Os diferentes setores da economia sofrem, igualmente, com a falta de um arcabouço jurídico que ordene esta forma de contratação. É preciso haver uma lei que define regras claras para a contratação de serviços terceirizados, gerando proteção e segurança para trabalhadores e empresas", diz Sylvia Lorena, da CNI.

LIMITES

A polêmica entre as atividades que podem ou não ser terceirizadas dentro de uma empresa é grande porque não há lei que regula o tema no país.

A Súmula 331 do TST (Tribunal Superior do Trabalho) proíbe a prática para atividades-fim (aquela considerada a principal de uma empresa).

Segurança, alimentação, vigilância, conservação e limpeza são chamadas de atividade-meio --e são terceirizadas em boa parte das empresas.

Na última semana, ministros do TST encaminharam ofícios à CCJ pedindo que seja revista a questão da terceirização em todo o processo produtivo.

Recentemente o ministro do Trabalho, Manoel Dias, defendeu a ampliação da terceirização para todas as atividades da economia.

Em reportagem publicada em 12 de agosto, a Folha antecipou que o texto negociado entre o governo e o relator do PL liberava a terceirização para todas as atividades da empresa.

"O discurso [do ministro] reforça uma posição de afronta aos princípios do Direito do Trabalho e à própria dignidade do trabalhador, prevista na Constituição Federal", diz Paulo Luiz Schmidt, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).

"O projeto de lei 4.330, de 2004, conduz a nação a um futuro de empresas sem empregados, onde a terceirização vai ocorrer em qualquer etapa da cadeira produtiva", afirma o juiz.


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