Folha de S. Paulo


Fábrica da Nissan no Rio de Janeiro terá cota para mulheres

Um quarto dos funcionários contratados para a nova fábrica da Nissan, na cidade de Resende (RJ), será de mulheres. A cota, ou meta, como prefere dizer François Dossa, presidente da montadora japonesa no Brasil, reflete uma nova realidade do mercado de trabalho.

"Dos 13 mil currículos que recebemos em três semanas para preencher as 1.200 vagas abertas na primeira fase de operação da fábrica, 50% eram de mulheres. Ficamos surpresos", afirma o executivo. No Japão, 2% da mão de obra é feminina.

Não à toa a empresa já prepara a construção de uma escola para atender os filhos dos funcionários e as crianças da comunidade de Resende, cidade onde ficam os 3 milhões de metros quadrados de sua nova fábrica que devem produzir 200 mil carros por ano.

A partir de janeiro, a Nissan deve iniciar a produção dos modelos compactos March e Versa no Brasil, hoje trazidos do México, como parte dos R$ 4 bilhões anunciados de investimentos no país até 2016.

Avener Prado/Folhapress
François Dossa, presidente da Nissa, no novo Centro de Treinamento da montadora, em Jundiaí (SP)
François Dossa, presidente da Nissa, no novo Centro de Treinamento da montadora, em Jundiaí (SP)

Enquanto constrói a que pretende ser a "fábrica mais verde" do setor automotivo, a montadora prepara sua estrutura para conseguir atingir 5% de participação no disputado mercado brasileiro. Fechou 2012 com 2,9%.

Na última quarta-feira, abriu um novo centro de treinamento em Jundiaí para qualificar funcionários de concessionárias e até outubro deve inaugurar também em Resende um centro de armazenagem de peças, com 35 mil metros quadrados.

Só na fábrica os investimentos somam R$ 2,6 bilhões.

A montadora também assinou na última terça-feira um acordo de intenção com o governo do Rio para estudar a viabilidade de fabricar carros elétricos no Brasil.

"Quanto tempo vai levar? Sou otimista. Acho que tudo que aconteceu na Paulista, os protestos mostram que esses jovens não querem mais o planeta que fizemos para eles, querem coisas mais sustentáveis. O carro elétrico é uma resposta a tudo isso, assim como o transporte público elétricoº, diz. "O prazo [para fabricar o carro] depende do governo federal, que tem de conceder incentivos fiscais para viabilizar a produção."

O executivo faz parte do grupo da Anfavea (associação dos fabricantes) que negocia IPI zero para carros híbridos e elétricos que foram fabricados no país.

No comando da Nissan brasileira desde janeiro e economista de formação, graduado pela École des Hautes Études Commerciales (em português, Escola de Altos Estudos Comerciais), de Paris, Dossa diz que, apesar de otimista, está ªpreocupadoº com a economia do país.

"Quando se olha os Brics, estamos na `lanterninha'. O Brasil tem tudo para crescer, mas não cresce. A infraestrutura não melhora, nem educação, nem saneamento. O cenário mundial não ajuda, mas tem de olhar muito para a microeconomia. Tem de simplificar a carga tributária, desburocratizar, fazer fluir."

A seguir, trechos da entrevista concedida na última quarta-feira, em Jundiaí, no centro de treinamento da montadora.

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Folha - A Nissan diz que pretende ter 5% de participação no mercado brasileiro em 3 anos. O que vai fazer para conseguir isso?

François Dossa - A peça chave de tudo isso é crescer com qualidade. Não adianta ter 5%, 6% ou 10% do mercado, se não tiver qualidade. Tem de ter esse foco, por isso decidimos crescer, abrindo primeiro o centro de treinamento para as redes de concessionários.

Os clientes são cada vez mais exigentes. Queremos ser número um não só em vendas, mas também em pós-vendas. E neste ano também deve ser inaugurado o centro de armazenamento de peças em Resende, onde está em construção da nova fábrica. Se o carro não for de qualidade, nosso primeiro carro brasileiro, a Nissan morre. Por isso nossa obsessão pela qualidade é grande

Como vai funcionar essa nova unidade?

A fábrica terá capacidade de produzir 40 carros por hora, são 200 mil por ano. É uma loucura, vamos ter muito carro para vender. Já temos 600 pessoas trabalhando para iniciar a produção no começo de 2014.

A fábrica é uma cidade, tem uma área de 3 milhões de metros quadrados, onde serão produzidos Marsh e Versa, que são vendidos aqui e importados do México. Os carros terão um layout mais 'abrasileirado' e fabricados em uma plataforma chamada V, de versátil.

Vamos começar com um turno, e, em quatro meses teremos um segundo turno. Se tudo der certo, e isso vai depender do mercado, quatro meses depois, entra em operação o terceiro turno.

Estamos em processo de recrutamento de 1.200 colaboradores. Recebemos 13 mil curriculos em três semanas. Estamos em processo de testes. A coisa mais interessante é que desse total enviado 50% são mulheres. Foi surpreendente.

Começamos os testes e as mulheres são melhores, na habilidade, na seriedade e no comprometimento. Estou dizendo isso porque no mercado brasileiro a gente ouve dizer que está muito difícil [encontrar mão de obra qualificada], que não se acha niguém. Não é tão verdade, isso.

Essa mão de obra feminina será absorvida?

Antes de recebermos os currículos, já havíamos montado um comitê de diversidade, sustentabilidade e responsabilidade social. Sempre que sou questionado sobre a questão de cotas, respondo: sou 100% a favor. Se não tiver cota, as coisas não vão mudar. Aqui chamamos de metas e posso dizer que estão sendo construídas.

A fábrica de Resende vai ter [cota]25% de mulheres, da administração à produção, no total de 2.000 funcionários que empregará. No Japão, são 2%, em outros países é de, no máximo, 5%. Quando cheguei à empresa, eram 20 diretores homens. Hoje já temos uma mulher e a meta é ter três em 2014.

Também estamos discutindo outros critérios, no comitê, como raça, por exemplo. Contratamos recentemente um diretor de tecnologia negro. Eram três candidatos, e claro que se ele não fosse bom, não teria sido ele. Mas ele foi o escolhido.

Haverá mais contratações em uma segunda etapa?

No total serão 2.000 empregos diretos e haverá um parque de fornecedores integrados, como já existe na outra fábrica. São cinco no total, sendo que um deles estamos trazendo do Japão. Nessa primeira fase devem ser mais 1.500 empregos desses fornecedores.

Na semana passada, a aliança Renault-Nissan assinou um acordo com o governo do Rio para estudar a fabricação do carro elétrico no Brasil. Há um prazo concreto para isso acontecer?

O objetivo é consutrir uma fábrica de elétrico no Brasil. Em 2010, houve projeto de táxi elétrico com governo de São Paulo. Em seguida com o governo do Rio, também o táxi elétrico e depois, com a PM.

Agora, para estudar a viablidade de fazer esse carro no país, assinaram o acordo de intenção o governo do Rio, a Petrobras Distribuidora, a Light e concessionárias de energia. Agora tudo depende da nossa capacidade, junto ao governo federal, para obter incentivos fiscais. Nos países onde é feito o carro elétrico, os governos deram incentivos até chegar em um volume de produção que permita a montadora viver sem eles.

Mas essa negociação depende exclusivamente da isenção de IPI?

A classificação de um carro elétrico nem existe hoje [na tabela de tipificação do IPI]. Na Anfavea [associação que reúne os fabricantes de veículos], trabalhamos para criar essa categoria, a idéia é que o veículo híbrido e o elétrico tenham isenção. Estamos trabalhado nisso. São cinco ministérios envolvidos, Transporte, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Indústria e Comércio e Fazenda.

Agora quanto tempo vai levar? Sou otimista hoje. Acho que tudo que aconteceu na Paulista, os protestos, o que entendo do grito desses jovens é que eles não querem mais o planeta que fizemos para eles, querem coisas mais sustentáveis. O carro elétrico é uma resposta a tudo isso, assim como o transporte público elétrico.

Já se fala no setor em R$ 400 milhões de investimento nessa fábrica...

Não sei de onde saiu esse número. não tenho ideia. O investimento pode variar, em uma escala, de um para cinco. Se resolvermos fazer o Twizy, aquele carro para duas pessoas, pequeno, o investimento é menor. Se for o Nissan Leaf, seria necessário um investimento cinco vezes maior.

O estudo de viabilidade técnica vai dizer qual carro é o melhor para o Brasil. Politicamente, nosso presidente global deixou claro com o governador Cabral e com a presidente Dilma a vontade de produzi-lo aqui. A decisão está agora com eles. Se depender de mim, meu objetivo é colocar a primeira pedra fundamental da fábrica [do elétrico] no ano que vem.

Onde?

Pode ser em Resende ou na cidade do Rio. Em Resende faria todo sentido porque já temos uma área grande, mas não está nada definido. O prefeito do Rio (Eduardo Paes) é jovem, tem essa sensibilidade de deixar a cidade melhor. O Rio está cheio de projetos. Tem de ter carro elétrico, vai ser uma vitrine para o país.

São mais de 200 acordos assinados com países de vários continentes para uso de carro elétrico, mas o primeiro assinado para estudar a fabricação é com o Brasil. Dentro dos Brics, a Nissan enxerga o Brasil com prioridade.

Se o governo conceder incentivo, fizer um decreto e publicá-lo, quanto tempo é necessário o carro elétrico ser fabricado?

É rápido. Em cerca de dois anos, dependendo do tipo de carro. Pelo perfil do mercado brasileiro, o que deve ser mais adequado é o Leaf, produzido já no Japão e que começará a ser feito nos EUA e na Inglaterra.

O Brasil é o próximo?

Se Deus quiser e se a Dilma ajudar.

Volks, Fiat e outros concorrentes já estão anunciando motores menores, mais eficentes... Enquanto o carro elétrico não vem, o que a Nissan fará para tornar seus carros menos poluidores?

O governo fez, no programa Inovar-Auto, algo inteligente que é conceder bônus de 4% de redução de IPI se a montadora desenvolver engenharia local [projetos no Brasil] e eficiência energética.

Todas as montadoras querem esse bônus e estão trabalhando por motores mais eficientes, inclusive a Nissan e a Renault. Nossos engenheiros aqui e no Japão trabalham em um motor melhor, mais leve, que não é mais de ferro, é de alumínio.

Mais investimentos serão trazidos ao país para esse projeto?

Na verdade, já estão no pacote de investimento já anunciado para a fábrica de Resende de R$ 2,6 bilhões. Os carros Nissan que serão produzidos aqui no Brasil terão motores mais eficentes energeticamente, menos poluentes. Na espera do carro elétrico, é um bom caminho.

Nissan foi uma das montadoras mais atingidas pelo regime de cotas de importação. Isso afetou os planos da montadora?

Fomos atingidos, na ocasião. Porque nosso plano era continuar importando do México e continuar crescendo até a fábrica entrar em operação no Rio. Mas o programa Inovar Auto, com a cláusula de quem investisse no país teria cotas extras de importação, nos ajudou.

Após a renovação do regime, não era de se esperar aumento das vendas, então?

Por três anos seguidos, fomos a montadora que mais cresceu no Brasil. Agora, vamos ter um ano mais estável em 2013 em comparação ao ano passado. Com a nova fábrica, que deve começar em janeiro de 2014, esperamos crescimento de vendas 50% maior [sobre o resultado de 2013].

O grupo Renault-Nissan tem uma parceria global com a Daimler anunciada no ano passado no Salão do Automóvel de Paris. A Mercedes-Benz já declarou que é viável ter uma fábrica no Brasil e admitiu estar negociando com alguns Estados - São Paulo, Minas, Rio e Santa Catarina. A fábrica de Resende pode ser usada também para produzir carros para essa parceria com o grupo?

Isso não existe. Precisamos produzir nossos carros se de fato quisermos ter participação de 5% ou 6% até 2016. Se eu fabricar carros para as outros, não chego ao meu objetivo.

O que é mais concreto, em algum momento, é [parceria] com a Renault. Afinal, a Nissan tem sua produção de carros da família Livina e picape Frontier na fábrica da Renault, em Curitiba, e temos uma aliança global. Isso faz muito mais sentido...

Nos últimos dias, os protestos criaram um clima que foi entendindo por parte de alguns setores como de instabilidade. Eles acendem uma luz amarela nos planos da companhia?

São protestos que podem acabar em um semana ou mês e o que houve é alguma violência isolada, como a gente viu. Sou francês e, por qualquer coisa, a gente vai para a rua defender nossos direitos. Entendo que o jovem brasileiro quer investimento na saúde, na educação e na infraestrutura. Não quer pagar caro por um transporte público e ter de ir em pé no ônibus.

Pessoalmente, vejo com bons olhos [os protestos].

Sobre a Nissan, ela veio para ficar por um longo prazo, com muitos investimentos trazidos. O Brasil tem um mercado de 3,7 milhões de unidades hoje e pode chegar a 8 milhões,10 milhões. Pode crescer muito em várias regiões, tem potencial.

O atual cenário de desaceleração na economia, de inflação preocupa a companhia?

Quando se olha os Brics, estamos na `lanterninha'. A China vai crescer 7,5%. No ano passado, o Brasil cresceu 0,9%. Neste ano foi de 4% até 2,4% ou talvez 2%.

O Brasil tem tudo para crescer, mas não cresce. Isso nos preocupa. A infraesturura não melhora, nem educação, nem saneamento. O cenário mundial não ajuda. E fazemos parte de um mundo globalizado. Mas tem de olhar muito para a microeconomia. Tem de simplificar a carga tributária, desburocratizar, fazer fluir.


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