Folha de S. Paulo


Arquivo Aberto - Dois homens e uma sentença

São Paulo, 2013

No início de 2013, li na internet que aconteceria a primeira edição do Pauliceia Literária, evento com foco na literatura policial, sediado na Associação dos Advogados de São Paulo. Eu havia publicado "Suicidas", meu romance de estreia, pela editora Benvirá em setembro do ano anterior. O livro havia tido feliz aceitação entre os leitores e boa recepção crítica.

Depois de alguma investigação, cheguei ao nome da curadora do Pauliceia, Christina Baum. Consegui o contato dela e, na cara de pau, enviei um e-mail apresentando meu trabalho e manifestando interesse em participar do evento. Christina gentilmente respondeu explicando que não conhecia meu trabalho, mas pediu que eu lhe enviasse um exemplar de "Suicidas".

Uma semana depois, Christina me ligava para dizer que havia devorado o livro e fez o convite para que eu participasse do evento. Fiquei muito feliz. Entre os autores convidados, muitos que eu admirava e lia há anos: Patrícia Melo, William Landay, Marçal Aquino, Tony Bellotto e... Scott Turow. Sim, Scott Turow, o cara que escreveu "Acima de Qualquer Suspeita", "O Ônus da Prova" e "Erros Irreversíveis", o mestre do suspense jurídico norte-americano.

Acervo Pessoal
O escritor americano Scott Turow (esq.) e o brasileiro Raphael Montes em setembro de 2013, em SP
O escritor americano Scott Turow (esq.) e o brasileiro Raphael Montes em setembro de 2013, em SP

Entre tanta gente legal, eu mal podia me conter de expectativa.

Cheguei em São Paulo e fui recebido por uma equipe atenciosa e bem organizada. Sem perder tempo, pedi um carro para me levar ao local das palestras: o belo prédio da AASP no centro paulistano. Passei a tarde lá, cheio de ânimo, um pouco escritor, um pouco fã de vários que falavam no palco. A curadora Christina, que finalmente conheci ao vivo, logo virou Chris, uma amiga por quem tenho grande carinho. Novas amizades nasceram: Renata Megale, Danilo Thomaz, Leonardo Sica e vários outros advogados da AASP.

À noite, o jantar de abertura para os participantes do evento foi numa churrascaria. A van que saiu do hotel se perdeu no caminho e cheguei atrasado. A maioria das pessoas já tinha se sentado e havia um único lugar vago em uma das mesas: ao lado do Scott Turow. Tímido, me aproximei e sentei ao lado do mestre. Scott é um sujeito simpático, de sorriso largo e estava muito bem acompanhado da bela esposa, Adriane Glazier.

Papo vai, papo vem, logo eles quiseram saber o que eu -aos 22 anos, sem barba, com cara de moleque- estava fazendo naquele evento. Expliquei que era escritor de suspense, tinha apenas um livro publicado etc. Contei a história de "Suicidas" e também a de "Dias Perfeitos" -que eu estava escrevendo na época- e prometi que assim que tivesse o texto em inglês lhes enviaria por e-mail.

O papo durou horas. Falamos de literatura, de direito, de família e de amores. Scott é um sujeito fantástico, me deu conselhos, lições de vida. Em certo momento, quis saber se havia muitos "thrillers jurídicos brasileiros" e eu disse que não, não havia. "O formato do nosso tribunal do júri não ajuda", expliquei. Ele perguntou como funcionava e comentei sobre nosso processo penal. Depois de alguns minutos de silêncio, ele me olhou: por que você não escreve uma história assim, assim e assim?. Tinha acabado de me dar uma ótima premissa para um thriller jurídico brasileiro. "Quando escrever esse livro, dedique a mim", brincou, entre risadas. A ideia continua no meu bloco de notas. Quem sabe um dia?

RAPHAEL MONTES, 24, é advogado e escritor de literatura policial, autor de "Dias Perfeitos" (Companhia das Letras).


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