Folha de S. Paulo


crítica

Em biografia, público se identifica com a humanização de Godard

Divulgação
Os atores Stacy Martin (Anne Wiazemsky) e Louis Garrel (Jean-Luc Godard) em cena do filme 'Redoutable', dirigido por Michel Hazanavicius
Stacy Martin (Anne Wiazemsky) e Louis Garrel (Jean-Luc Godard) em 'Redoutable', de Hazanavicius

REDOUTABLE (bom)
DIREÇÃO Michel Hazanavicius
ELENCO Louis Garrel, Stacy Martin e Bérénice Bejo
PRODUÇÃO França, 2017

*

Era o concorrente da piada pronta: o alerta de bomba que atrasou em meia hora a sessão de imprensa no sábado (20) de "Redoutable", de Michel Hazanavicius, teria sido acionado pelo próprio filme.

Mas "Redoutable" desarmou os ânimos. Baseado no livro memorialístico "Un An Après" (Um Ano Depois), da atriz e romancista Anne Wiazemsky, 70, o filme é uma simpática comédia romântica à moda Woody Allen ("Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", sobretudo) que reconstitui cerca de três anos de casamento, tendo ao centro o mítico 1968, entre o mestre da nouvelle vague e sua mulher e musa, 20 anos mais jovem.

Michel Hazanavicius reafirma com maior sutileza sua verve paródica, demonstrada no díptico james-bondiano "OSS 117" (2006 e 2009) e sobretudo na homenagem ao cinema silencioso de "O Artista" (2011), incorporando citações à obra godardiana a uma narrativa tragicômica. Elas se fazem por meio de enquadramentos, cores, cenários, nus e intertítulos que remetem às célebres obras de sua primeira fase, de "Acossado" (1960) a "A Chinesa" (1967), estrelado este pela própria Wiazemsky (vivida por Stacy Martin, de "Ninfomaníaca").

Godardianos de carteirinha têm tudo para torcer o nariz diante da desradicalização estética. Mas o espectador comum há de se identificar com a humanização do mito, interpretado com eficiência e despojamento por Louis Garrel ("Os Sonhadores").

Dividido em nove capítulos e um epílogo, "Redoutable" acompanha, de um lado, o casal Godard-Wiazemsky da lua-de-mel à separação e, de outro, o processo de automarginalização do cineasta a partir do insucesso de "A Chinesa" e a polarização política, rumo ao maoísmo, acelerado por maio de 1968.

Certas incursões humorísticas não funcionam mas o todo mantém inegável organicidade. Dê uma chance a "Redoutable".


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