Folha de S. Paulo


Crítica

Acessível, 'A Gira da Rainha' trata da história da mítica Pombagira

O diretor dosa a lascívia para as crianças presentes; prefere o caráter festivo e a evolução alegórica

Nascido ao ar livre há milênios, o teatro persevera em disputar o espaço público. Na São Paulo de hoje, coletivos riscam o chão nos territórios de maior fluxo de pessoas.

Caso dos frequentadores de todas as idades e trabalhadoras do sexo que dividem os fins de semana no parque Jardim da Luz com uma comédia sobre Pombagira, entidade da umbanda e do candomblé, da Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes.

Lenise Pinheiro/Folhapress
Sao Paulo, SP, Brasil. Data 28-01-2017. Espetáculo A Gira da Rainha. Fraternal Companhia. Atrizes Mariana Rosa (esq) e Daniela Theller (dir). Parque da Luz. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
Mariana Rosa (esq.) e Daniela Theller (dir.) em 'A Gira da Rainha', no Jardim da Luz

O ambiente impacta a recepção ao espetáculo "A Gira da Rainha". A sociabilidade diante das prostitutas inscritas no cotidiano do parque pelo menos desde a década de 1930, quando autoridades mandaram fechar os bordéis do centro a fim de isolá-las, tem a ver com o preconceito enfrentado pela protagonista que assumiu o direito ao prazer e à sensualidade.

A dramaturgia épica remonta a meados do século 14, na Espanha da Idade Média, quando Maria Padilha é amante de dom Pedro, o Cruel, rei de Castela.

No vaivém dos fatos, ele é pressionado pela mãe a casar-se com uma francesa de dotes, mas não deixa de viver o amor paralelo até a morte dela, vítima da peste e acusada pela família real de enfeitiçá-lo. Pois ele ainda ousa coroá-la rainha póstuma.

Nessa primeira parte, os dramaturgos Luiz Oliveira Santos e Alex Moletta quase levam a comédia a pique pelo tom enciclopédico.

Duas boias o salvam. O mamulengo no prólogo, quando o casal de bonecos destila a perseguição às religiões afro-brasileiras e o narrador os contrapõe. E o deslocamento definitivo da história oficial para a reinvenção popular com Padilha entrecruzada às mestiçagens, prestigiada em Angola e acolhida de braços abertos no Recife, e dali a outras regiões do país.

O diretor Ednaldo Freire cumpre aquilo que é dito no início: entretenimento e reflexão. Dosa a lascívia para as crianças presentes. Prefere o caráter festivo, a evolução alegórica (oportunas a saudação ao teatro de revista e a surpresa do desfecho).

Esquiva-se, no entanto, da ritualidade presumida, sob alegação de não replicar em cena o ponto de terreiro. Questionável, pois o cântico e as simbologias emanam lá sua magia cênica e, aqui, ficam limitados a inserções rítmicas nas composições de Lincoln Antonio.

No geral, os atores têm atuações corretas. Já o palco itinerante sustentado por caminhão fica acima da cabeça da plateia, o que dificulta o campo de visão no plano baixo.

*

A GIRA DA RAINHA
QUANDO sáb. e dom., às 15h; até 12/3
ONDE Parque Jardim da Luz, r. Ribeiro de Lima, 214, Bom Retiro, tel. (11) 3227-3545
QUANTO: Grátis; livre


Endereço da página: