Folha de S. Paulo


análise

Ator de grande talento, John Hurt não desprezou o cinema comercial

Suzanne Plunkett/Reuters
O ator John Hurt, em 2015
O ator John Hurt, em 2015

Numa carreira de mais de meio século, o ator britânico John Hurt, morto na sexta (27), aos 77 anos, de câncer no pâncreas, atuou em cerca de 130 filmes para cinema, 50 filmes para TV, fez peças de Shakespeare, Harold Pinter e Tom Stoppard, foi dirigido por cineastas como Fred Zinnemann, John Huston, David Lynch, Michael Cimino e Alan Parker, e condecorado em 2015 com a Ordem do Império Britânico por sua contribuição às artes, mas será lembrado para sempre por ter parido um ET gosmento.

A cena aconteceu em "Alien - O Oitavo Passageiro" (1979), de Ridley Scott, e foi a mais marcante de uma carreira invejável: durante uma refeição, o personagem de Hurt começa a sofrer dores terríveis, deita na mesa e morre quando o alienígena sai de dentro de seu peito, para desespero de Sigourney Weaver e toda a tripulação da nave. Hurt tinha grande senso de humor e sabia que aquela imagem o marcou para sempre, tanto que a repetiu oito anos depois, numa versão esculhambada, na comédia "S.O.S. - Tem um Louco à Solta no Espaço", de Mel Brooks. Dessa vez, o monstrinho sai do peito de Hurt e faz um número musical.

Desde o sucesso de "Alien" —e, um ano antes, de "O Expresso da Meia-Noite", de Alan Parker, pelo qual foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante— Hurt, até então mais conhecido pelo público britânico, iniciou uma sólida carreira no cinema comercial de Hollywood, reforçada por sua incrível atuação em "O Homem Elefante" (1980), de David Lynch. Coberto de pesada maquiagem, Hurt interpretou John Merrick, um homem deformado e exibido como atração de circo. Indicado novamente ao Oscar, perdeu para Robert De Niro em "Touro Indomável", mas criou um personagem inesquecível, que levou David Lynch a declarar: "John Hurt é o melhor ator do mundo".

Um dos melhores, com certeza, mas dono de um tipo físico franzino e um visual que lhe garantiu incontáveis papeis de vilão. Hurt costumava dizer que nenhum ator do cinema havia morrido em cena tantas vezes. Em 2012, postou no YouTube uma coletânea chamada "The Many Deaths of John Hurt" ("As Muitas Mortes de John Hurt"), com 40 cenas de sua própria morte, e ainda listava os tipos: "Morreu 11 vezes por tiros, nove por doença, foi esfaqueado quatro vezes, cometeu três suicídios (...) teve o peito arrebentado duas vezes e, uma vez, derreteu".

As Muitas Mortes de John Hurt

Hurt era um ator eclético e gostava de atuar em filmes de diferentes estilos. Era capaz de se entregar a um papel difícil e exaustivo como o do Homem Elefante e depois filmar uma comédia boba com Mel Brooks, como "História do Mundo - Parte 1". Em 1984, fez o papel de Winston Smith na adaptação da obra-prima distópica "1984", de George Orwell, dirigida para o cinema por Michael Radford, e no ano seguinte dublou a animação "O Caldeirão Mágico", da Disney.

Não tinha nenhum preconceito contra o cinema comercial e ficou mais conhecido pelo grande público depois de interpretar o Sr. Ollivander, dono da loja de varinhas mágicas em "Harry Potter e a Pedra Filosofal" (2001), papel que repetiu em "As Relíquias da Morte - Parte 1" (2010) e "Parte 2" (2011). Outro papel de destaque foi o do War Doctor na série de TV britânica "Doctor Who" (2013).

Um de seus melhores papeis no fim da carreira foi o de "Control", chefe do Serviço de Inteligência Britânica, em "O Espião Que Sabia Demais" (2011), baseado no romance de John le Carré. Curiosamente, o papel principal ficou com um ator —Gary Oldman— que lembra muito John Hurt: extremamente talentoso, eclético e famoso por fazer grandes vilões.


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