Folha de S. Paulo


Falsários destroem tela original de Volpi em tentativa de enganar Justiça

Uma raríssima tela de Alfredo Volpi, desaparecida desde a morte do artista há quase três décadas, acaba de ser encontrada, só que destruída.

Exames detalhados mostram que o suposto quadro inédito da fase concretista do pintor que estava à venda por R$ 12 milhões numa galeria de São Paulo é um falso pintado por cima do original.

Falsários esperavam que o verso da tela, com a assinatura verdadeira do artista, desse um verniz de autenticidade à obra, mas adulteraram a composição porque a tela original já estava sendo procurada pelo espólio de Volpi -a informação foi revelada pelo jornal "O Estado de S. Paulo".

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Falsificação que imita tela concretista de Volpi que foi pintada por cima de obra original
Falsificação que imita tela concretista de Volpi que foi pintada por cima de obra original

"Estamos vivendo uma coisa inédita no Brasil, que é um quadro ser destruído para se travestir de inédito", diz Pedro Mastrobuono, diretor do Instituto Volpi, responsável pela autentificação das obras do artista. "Quem fez isso sabia que se apresentasse o quadro original seria alvo de uma apreensão imediata."

Também tinha conhecimento do estilo do pintor e de técnicas sofisticadas de análise de obras falsas. Isso porque não fugiu do repertório de formas geométricas que marcou essa fase na carreira de Volpi e usou cores que dificultam exames em laboratório.

No final da década de 1950, Volpi criou uma série de composições em estilo concretista. Não foram muitas, e uma única delas nunca foi vendida, tendo ficado pendurada na sala de sua casa no centro paulistano até a sua morte.

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Tela original da fase concretista de Alfredo Volpi, dada como desaparecida
Tela original da fase concretista de Alfredo Volpi, dada como desaparecida

Essa tela com quadrados brancos sobre fundo vermelho é a que veio à tona agora, só que transformada num quadro preto com os quadrados divididos ao meio, uma metade azul e outra branca.

De acordo com Eva Kaiser Mori, perita do departamento de física nuclear da USP, a espessa tinta preta usada na falsificação impede que uma análise com raios infravermelhos mostre o esboço da composição original a lápis que Volpi fazia antes de pintar.

A análise serviria de prova que a composição com triângulos nunca foi a verdadeira.

Um estudo detalhado do verso da obra também elimina qualquer dúvida que o quadro em questão já tinha sido catalogado pelo Instituto Volpi -a posição e inclinação da assinatura no verso e marcas antigas de pregos e defeitos na trama de linho da tela são idênticas às da obra original.

Outro dado importante é que a análise das camadas de tinta do quadro mostra um complexo jogo em que Volpi pintou vermelho sobre branco e branco sobre vermelho, criando uma vibração cromática única, algo que não teria razão de ser caso a ideia fosse cobrir tudo de preto depois.

MAQUIAGEM DEFINITIVA
Mesmo destruída, essa é a 11ª das 47 obras desaparecidas do pintor a ser encontrada.

Quando Volpi morreu, em 1988. as obras que estavam em seu ateliê ficaram com sua filha mais velha, Eugênia Maria. Ela alega que elas foram furtadas de sua casa há 11 anos, embora, segundo Mastrobuono, recibos de venda de algumas delas tenham a sua assinatura.

Eugênia Maria, que não foi localizada até a conclusão desta edição, é alvo de ação judicial pela suspeita de não partilhar valores arrecadados com direitos autorais e ocultar parte do patrimônio do pai, lesando a irmã mais nova, Djanira Volpi, que trabalha como empregada doméstica.

O temor de especialistas é que as 36 telas do artista ainda desaparecidas possam ter sofrido a mesma maquiagem que destruiu esta última.

Segundo a perícia, a tinta preta usada na falsificação penetrou fundo no tecido da tela, preenchendo as fissuras causadas pelo envelhecimento da tinta original, o que torna muito difícil a remoção dessa nova camada de cor.


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