Era uma vez uma elite tapuia bem mais divertida do que esta que atualmente escancara os dentes no Instagram. Parece difícil de acreditar, mas houve um tempo em que as pessoas faziam parte do topo da pirâmide por atributos outros que não sua capacidade de acumular tranqueiras produzidas pelo mercado de luxo, que explora a labuta dos mortos de fome do outro lado do globo.
Naquela era de inocente e espontânea diversão, que podemos situar entre o final dos 50 e o começo dos anos 80, o Rio de Janeiro foi a capital do glamour e do hedonismo. E Zózimo Barrozo do Amaral, seu cronista-mor. Primeiro nas páginas de "O Globo" e depois nas do "Jornal do Brasil".
"Enquanto Houver Champanhe, Há Esperança "" Uma Biografia de Zózimo Barrozo do Amaral", do jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, é uma reconstrução documentada em grande esmero de uma época que se perdeu e cujos personagens foram substituídos pelo signo do cifrão e pelas recepções corporativas, hoje conhecidas como "eventos", das quais qualquer executivo hoje é obrigado a participar por motivos profissionais.
Antes disso, havia o "jet set" internacional e, no Brasil, seu contraponto, o "electra set", alusão aos aviões da ponte aérea que o "beau monde" usava para ir e vir de São Paulo, que já se apresentava como usina produtiva do país, e do Rio de Janeiro, recém destituído do status de capital, mas que nem por isso deixara de ditar moda, de esbanjar glamour ou de arregimentar a elite cultural do país.
Zózimo começou a assinar sua coluna em uma época em que a televisão ainda não traduzia para seu público o que acontecia nas grandes praças da moda e do bem viver, função que mais tarde viria a ser preenchida pelas telenovelas do fim da tarde e da noite, especialmente aquelas assinadas por Gilberto Braga ("Dancin' Days", que saudades!) e Cassiano Gabus Mendes.
Em São Paulo, no começo dos anos 60, a editora Abril lançara a "Cláudia", primeira publicação que ensinava a receber e a vestir. A coluna de Tavares de Miranda, na página dois da "Ilustrada" –onde hoje Monica Bergamo dispara um furo atrás do outro sobre os temas mais relevantes do país–, relatava didaticamente as entranhas dos jantares e recepções da grã-finada paulistana em textos longos, que incluíam o cardápio da noite, a cor da toalha da mesa e a aparelhagem de louças e talheres utilizados, bem como a descrição esmiuçada dos trajes das senhoras.
Antes de todos, Zózimo se deu conta de que as colunas sociais seriam engolidas pela informação da TV e que as publicações de moda já estavam dando conta de traduzir o espírito do seu tempo para o público ávido pelos últimos gritos da moda.
Repleto de histórias deliciosas e fazendo referência a algumas das notas que traduzem bem o espírito do cronista, o livro emplaca a tese de que o sucesso de Zózimo se deu em razão de seu temperamento, sempre fiel ao leitor, ao mesmo tempo em que era um "insider" discreto e confiável em um mundo que não fazia questão de ser visto ou ouvido pelo grande público.
Preferia se divertir, entre taças de champanhe e festas particulares, sem se dar conta de que estava vivendo o último ato da era da inocência e do cavalheirismo de verdade.
A remissão de nomes da biografia de Joaquim dos Santos, que vai da página 603 até a 637 (!), pode ser lida como uma típica agenda de telefones VIP do fim do século passado.
Enquanto Houver Champanhe, Há Esperança |
Joaquim Ferreira dos Santos |
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Conheço cerca de 90% das pessoas ali citadas, com ao menos 30% vivi histórias memoráveis. E impublicáveis pelos padrões xiitas de hoje.
Proustiano, "Enquanto Houver Champanhe..." traz de volta um estilo de vida que foi encerrado pelo politicamente correto e pelo fenômeno que transformou o uso da imagem pessoal em atividade profissional. Convém mergulhar de cabeça em sua leitura a fim de desvendar um tempo em que o prazer existia como finalidade em si e não como método de ascensão social.