Folha de S. Paulo


Acompanhado por grilos e cigarras, Nelson Freire fecha ano em Ilhabela

As primeiras notas Bach ecoavam com os sons de grilos e cigarras. A música do compositor alemão vinha das mãos do pianista Nelson Freire, que encerrou na quinta (29) o primeiro ciclo de programação do Centro Cultural Baía dos Vermelhos, um complexo erguido numa propriedade particular de mata fechada no extremo sul de Ilhabela, litoral norte de São Paulo.

Freire, 72, tido como o melhor pianista brasileiro da atualidade, tocou para uma plateia em clima familiar que quase lotou os 900 lugares do Teatro da Floresta, um palco em formato de semi-arena com as laterais abertas para a Mata Atlântica.

A apresentação, programada para as 20h, teve um atraso de 40 minutos e foi antecedida por uma fala do jornalista e musicólogo Zuza Homem de Mello, conselheiro de Vermelhos, que aproveitou a deixa para homenagear o multi-instrumentista Egberto Gismonti, sentado à segunda fileira da plateia central.

Freire entrou na sequência com sua costumeira discrição, e logo soltou um sorriso de canto de boca ao agradecer o público que o aplaudia de pé.

Em seu "Concerto de Ano-Novo", o pianista reuniu um repertório que há tempos o acompanha e que integrou suas apresentações mais recentes. O primeiro dos dois atos dedicou quase todo a Bach: O "Prelúdio para Órgão em sol menor", os corais do compositor alemão e "Jesus, Alegria dos Homens". Depois, veio a "Sonata Op. 110 em lá bemol maior", de Beethoven.

Entre um movimento e outro, Freire aproveitava para enxugar com um lenço branco o suor do rosto. O calor daquela noite batia os 26º C, e era comum ver espectadores se abanando e fazendo de leque o encarte que continha o programa da noite.

Depois do intervalo, o mineiro foi com Villa-Lobos ("Prelúdio das Bachianas nº 4") e Chopin ("Sonata nº 3, Opus 58").

Empolgado com os aplausos efusivos ao fim do recital, retornou para um bis (um trecho da ópera "Orfeu", de Liszt), depois para um segundo ("Momoprecoce", de Villa-Lobos) e ainda para um terceiro (novamente Villa-Lobos, agora com "A Lenda do Caboclo"), com a plateia rareando a cada regresso improvisado do pianista.

Logo após a sessão, Freire recebeu espectadores em seu camarim para fotos. Entre eles estavam a arquiteta Tania Logiodice, 61, e a musicista Ilma Ponte, 77, que saíram de São Paulo motivadas pelo recital e aproveitaram para passar o Ano-Novo em Ilhabela.

Ponte, que há anos acompanha o trabalho de Freire, diz ter apreciado a apresentação, apesar das intempéries da natureza. "Foi muito bonito, só tinha uns barulhinhos de bicho que atrapalhavam um pouco."

FUNDOS

O concerto de Freire tinha também como objetivo levantar fundos para Vermelhos (os ingressos para a noite de quinta custavam R$ 280 a inteira).

Projeto do advogado Samuel Mac Dowell de Figueiredo, o complexo foi inaugurado em setembro, com um festival. É voltado para a música, em especial a erudita, mas já teve apresentações de dança e teatro. Além do Teatro da Floresta, conta com um anfiteatro de 220 lugares e deve receber novas estruturas na área, que soma 150 mil m².

A programação do próximo ano ainda não foi fechada, mas o calendário deve contar com concertos fixos em abril, agosto e dois em dezembro —um de Natal e outro de Ano-Novo, como foi o de Freire.

A jornalista MARIA LUÍSA BARSANELLI e o fotógrafo ADRIANO VIZONI se hospedaram a convite do Centro Cultural Baía dos Vermelhos.


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