Folha de S. Paulo


Crítica

Agustina Bessa-Luís percorre o país em livro antiturístico

Em 1988, Agustina Bessa-Luís fez parte de um grupo de intelectuais portugueses em visita ao país. "Breviário do Brasil" é o resultado dessa viagem. Publicado em 1991, o livro ganha sua primeira edição brasileira, acrescida de outros textos sobre o país.

Um dos tópicos do relato é certo incômodo em relação ao misto de pacote turístico oficial e acolhimento solene que é oferecido a ela e a seus compatriotas.

"A parte mais interessante do Brasil não pode ser localizada por uma excursão de burgueses que se movem por admirações históricas", escreve Agustina e logo em seguida completa: "O Brasil e os seus mistérios do quotidiano não nos são oferecidos."

O texto é uma combinação de diário, ensaio e memórias.

Renato Stockler/Folhapress
ORG XMIT: 363001_1.tif SP13130/2004/ RENATO STOCKLER/04.11.2004/ AGUSTINA BESSA-LUIS ESCRITORA PORTUGESA VENCEDORA DO MPREMIO CAMOES
Agustina Bessa-Luís, autora de 'Breviário do Brasil'

Se, na busca por interpretações sociologizantes, ela lança mão de impressões às vezes taxativas, nos deslocamentos narrativos, mostra sua força com inquietação e dinamismo típicos de um romance também de percurso como "Viagens na Minha Terra", de Almeida Garrett.

Com isso, escreve páginas que se autoquestionam sempre: "Não sei que livro escrevo nem o que dele esperam." E é assim que o olhar sobre as coisas se torna acurado.

Nessa trilha, outro elemento de destaque é a digressão. Embora o percurso siga de cidade em cidade, a prosa da viagem não é linear. Há retornos e saltos, porque são sentimentais suas referências.

A digressão possibilita a deriva memorialista. Em certas ocasiões, monta um retrato do pai que "viveu com aparato e grandeza, tinha punhos de oiro, ratinhos de oiro pousados num brilhante."

Mais à frente, ela nos deixa entender um pouco mais sobre o que se assenta sua relação com o país: "Meu pai adquiriu no Rio, onde viveu vinte e cinco ou mais anos, uma afecção de garganta de que nunca se curou."

É como uma antiturista que percorre alguns lugares. Acerca de Ouro Preto, por exemplo, ela anota não saber como uma "calçada de que se desce a prumo" poderia servir "aos passeios das musas."

Nesse sentido, muitas cenas que a viagem lhe proporciona estão cheias de humor.

Em Ilhéus, sobre o ar-condicionado do hotel, Agustina escreve: "Não sabemos se vai explodir quando o ligamos ou se vai deixar sair uma qualquer música de Offenbach."

O aparecimento de "Breviário do Brasil" poderia ser o início da publicação no país das obras ainda inéditas da autora que, em 2004, recebeu o Prêmio Camões. Aliás, já seria ótimo se ao menos "A Sibila" e "Vale Abraão" retornassem às livrarias do país.

BREVIÁRIO DO BRASIL
AUTORA Agustina Bessa-Luís
EDITORA Tinta da China Brasil
QUANTO: R$ 79 (280 PÁGS.)


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