Folha de S. Paulo


Antonio Fagundes: 'Dario Fo fazia crítica violenta a toda a sociedade'

Dirigida por Antonio Abujamra e protagonizada por Antonio Fagundes, a montagem de "Morte Acidental de Um Anarquista", uma das obras-primas de Dario Fo, apresentou o público Brasileiro à obra do anárquico dramaturgo italiano, que morreu nesta quinta (13).

O espetáculo estreou em 1981, nos últimos suspiros da ditadura militar no Brasil. Um ano antes, Sérgio Britto havia realizado sua versão para o texto. Atualmente, a peça está em cartaz no Teatro Folha, protagonizada por Dan Stulbach.

Nenhuma montagem da peça, porém, é tão lembrada como a protagonizada por Fagundes, que atuou sem pausas nos "três, quatro primeiros anos" dos sete em que a peça rodou o país: "Chegamos a ter perto de 1 milhão de espectadores".

A peça atravessou o período de redemocratização, mas começou a ser encenada durante a ditadura. "Tivemos inclusive problemas de tentativa de censura, intimidações por parte da polícia. A gente viajou com a peça pelo Brasil inteiro. Em alguns momentos, tentaram nos censurar", diz o ator. "Não alterávamos nada."

"Morte Acidental de Um Anarquista" —"já pelo título, você perceba a ironia profunda de Dario Fo; nenhum anarquista morre acidentalmente"— falava de perseguição política a partir do suicídio controverso de um anarquista. Enquanto, nos bastidores do país, crescia a oposição ao regime militar.

"Dario fazia ao longo do espetáculo uma crítica violenta a todas as instituições da sociedade. A política, a imprensa, a justiça. Cada personagem que o Louco —que está sendo preso ali— incorpora é uma crítica ferrenha a uma instituição", analisa Fagundes, que se diz fascinado pela "absoluta anarquia" e pela ausência de partidarismo na obra do dramaturgo italiano.

Uma passagem em especial de "Morte Acidental de Um Anarquista" podia ouriçar os censores da ditadura. "Tinha uma cena em que a gente organizava a plateia para gritar junto com a gente que o governo é sempre filho da puta. Imagina mil pessoas gritando juntas durante a ditadura, devia incomodar muita gente."

Incomodava alguns, e fazia seu público rir. "O humor parte da inteligência. Se você não mexe com a inteligência do espectador, do leitor, você vai provocar uma convulsão, não o riso. A inteligência é que gera o humor. Até por isso o humor é sempre muito atacado, você vê ataques no mundo todo a revistas que usam o humor", comenta Fagundes. "Dario Fo hoje em dia ainda deve ser preocupante para algumas pessoas, porque ele conseguiu fazer as pessoas rirem."


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