Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Longa 'Do Pó da Terra' dirige olhar sensível a artesãs de MG

O fotógrafo Maurício Nahas estreia no cinema com este documentário –rodado em 2013, no Vale do Jequitinhonha, no Nordeste de Minas Gerais– que registra a atividade de ceramistas, suas vidas e sua relação com a natureza. O projeto acabou sendo ampliado e complementado por um livro de fotografias, tomadas em 2015, e por uma exposição de sucesso.

Marcado pela pobreza, o Vale do Jequitinhonha é o berço de um artesanato em cerâmica muito particular, realizado a partir da apropriação de técnicas indígenas de modelagem, que desconhecem o uso do torno.

Com o declínio da agricultura de subsistência, que começou a perder espaço para a monocultura de eucalipto na década de 1970, o artesanato em cerâmica ganhou importância econômica e cultural na região.

Divulgação
Artesãos em cena de 'Do Pó da Terra', de Maurício Nahas
Artesãos em cena de 'Do Pó da Terra', de Maurício Nahas

Nahas colhe depoimentos de 12 ceramistas, essencialmente mulheres, que encontraram nessa atividade uma forma de sobrevivência e de afirmação social.

As peças que produzem são muito mais decorativas do que utilitárias, combinando refinamento estético e autenticidade. São esculturas policromadas que representam animais, a paisagem, tipos humanos, seres imaginários e atividades cotidianas.

Mas o destaque são as noivas –o motivo mais destaque na produção local– geralmente sem par, designando as mulheres que ficam sozinhas depois que seus maridos partem para as grandes cidades em busca de trabalho.

As noivas são uma criação da pioneira artesã Izabel Mendes da Cunha (1924-2014), que partiu da forma característica das moringas de barro indígenas para representar a figura feminina.

Primeira artesã da região a ter seu trabalho reconhecido no exterior, Izabel se dedicou durante décadas a transmitir sua arte a dezenas de discípulas.

Em seus depoimentos, Izabel, algumas de suas ex-alunas e outras artesãs revelam histórias de vida muito semelhantes, em que a falta de perspectivas, a violência, o alcoolismo e o abandono de seus maridos são moeda corrente.

Nahas dirige um olhar sensível –mas isento de sentimentalismo– a essas mulheres fortes e frágeis ao mesmo tempo. Seus relatos mostram que o fazer artístico e o prazer que proporciona funcionam como resistência à miséria e às suas vicissitudes.

Mas essa tradição está ameaçada, perigo que o documentário mostra muito bem e com certa resignação, pois a grande maioria das mulheres mais jovens prefere sair da região em busca de melhores condições de vida.

Do Pó da Terra
DIREÇÃO: Maurício Nahas
ELENCO: Izabel Mendes da Cunha, Maria Lira Marques Borges, Maria Jose? Gomes da Silva, Ulisses Mendes
PRODUÇÃO: Brasil, 2016, livre


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