Folha de S. Paulo


Poeta sírio critica direitos humanos e é vaiado e xingado de 'babaca'

Keiny Andrade/Folhapress
Paraty, RJ, 02.07.2016 - FLIP 2016 ILUSTRADA - Mesa 19 -
O poeta sírio Abud Said em debate na Flip

Terminou sob vaias a mesa "Síria mon amour". Numa mesa em que o tema era a Síria, o poeta sírio Abud Said se recusou a falar sobre o país e disse que as pessoas que trabalham com direitos humanos e os intelectuais são doentes.

"Sou egoísta, não quero ser a voz da Síria. Juro por Deus que não há sociedade mais doente que a culta e intelectual e os que trabalham com direitos humanos. Quero viver minha vida", afirmou. Nesse momento, ele foi xingado de "babaca" por uma pessoa da plateia e parte do público deixou a tenda dos autores.

Said, autor de "O Cara Mais Esperto do Facebook" (Editora 34), participou da primeira mesa deste domingo (3) na Flip, em Paraty, ao lado da colunista e repórter especial da Folha Patricia Campos Mello.

Para o poeta sírio, o que a imprensa retrata são "experiências individuais que não têm nada a ver com a realidade". E a mídia, assim como as organizações de direitos humanos, os intelectuais e os escritores estão fazendo "um jogo sujo". "Não quero participar desse jogo sujo sob a bandeira de jornalismo livre."

Patrícia pediu a palavra para dizer que, de fato, "é muito difícil entrar no país do outro e contar sua história".

A jornalista está escrevendo o livro "Lua de mel em Kobani", que sairá pela Companhia das Letras, e que conta a história dos refugiados sírios, do Estado Islâmico e da guerra a partir da vida de um casal sírio.

Logo no início da mesa, Said avisou, em resposta à pergunta do mediador Daniel Benevides sobre sua vida em Aleppo, que não gosta de falar sobre a situação política da Síria. "Não tenho nada a ver com isso. Escrevi um livro de poesia. Esses jornalistas e o pessoal da cultura só falam da guerra", afirmou.

Said, que era ferreiro na Síria e cujos posts no Facebook com relatos irônicos de seu dia a dia deram origem ao livro, disse não ter programado tornar-se escritor. "E nem sabia que ia começar uma guerra e que ficaria famoso."

"Estou feliz por estar aqui. É um serviço cinco estrelas. Eles me levam para almoçar e para jantar. Ontem eu fiz sauna por três horas, tomando uma taça de vinho."

'LUA DE MEL EM KOBANI'

Patricia, autora de uma série de reportagens sobre a crise de refugiados e a guerra escritas a partir de viagens ao Iraque, à Síria e à Turquia em 2015, contou que a morte do menino curdo Alan Kurdi a motivou a escrever sobre o tema. "Olhei aquela foto e pensei: o que leva uma família a ficar tão desesperada e botar seus filhos num bote com um colete salva-vidas que muitas vezes é falsificado e fugir?"

Ela foi recebida na casa da família de Alan, em Kobani, na Síria. "O avô dele me disse: 'já escapei três vezes da morte, estava num mercado e um homem-bomba explodiu; em outra ocasião, fui atingido por estilhaços de bomba. Os meus netos e a minha filha morreram tentando. A gente não tem saída."

O mediador perguntou se a jornalista sente medo. "Eu não tenho direito de ter medo. Gente como o Abud mora lá [na Síria]. Eu vou lá e passo um tempinho. As pessoas estão tomando bomba na cabeça todos os dias. Eu ter medo é uma coisa absurda", afirmou e foi muito aplaudida.

Também comentou sobre como é ser mulher e trabalhar em regiões de conflito. "A gente tem uma vantagem enorme. Como mulher, tenho acesso a 50% da população que os homens não têm", afirmou. "Às vezes, limita a movimentação, mas acho que mais ajuda que atrapalha."

ALEMANHA X BRASIL

Radicado há três anos na Alemanha, país que lhe concedeu asilo político, Said contou uma história para exemplificar como os alemães, na sua opinião, são "extremamente disciplinados". Disse que se afeiçoou por sua fisioterapeuta e que ela também estaria gostando dele, mas quando a chamou para um encontro, ouviu: "Não posso. Você é meu cliente".

"O sistema europeu, alemão, é tudo numa caixinha, com regras", disse. E fez uma comparação com o Brasil: "Aqui não tem regra, só emoção e sentimento. A regra que se dane".


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