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Longe da TV, Mariana Lima atua em peça e roda 2 filmes em São Paulo

Marcus Leoni /Folhapress
A atriz Mariana Lima posa no palco da peça 'Os Realistas
A atriz Mariana Lima posa no palco da peça 'Os Realistas'

Quem acompanha a carreira da atriz Mariana Lima percebe uma divisão entre projetos pessoais em cinema e teatro, alguns carregados de ousadia e risco, e trabalhos com alguma regularidade na TV, notadamente em séries e novelas globais. Mas, definitivamente, não é só isso.

Em cartaz no Teatro Porto Seguro, em São Paulo, ela atua em "Os Realistas", peça do americano Will Eno dirigida por Guilherme Weber e produzida por Debora Bloch, que também está no elenco. Ao lado delas, Fernando Eiras e Emílio de Mello.

Na entrevista de Mariana à Folha nos bastidores do teatro, todos se encontram em demonstrações escancaradas de carinho. Mas agora chega de falar dos colegas.

Porque a conversa com Mariana revela uma pessoa emaranhada em várias frentes de trabalho. Paulistana de 43 anos, tem esta temporada na cidade dedicada à peça e às gravações de dois filmes para cinema. Quando volta ao Rio, onde mora, a prioridade são as duas filhas com o diretor e ator Enrique Diaz.

"Os Realistas" e Mariana estavam destinados um ao outro. Seu analista viu a peça no Estados Unidos e disse que o texto tinha a cara dela. Por coincidência, a amiga Debora comprou os direitos e Mariana entrou no projeto. Mas a chance de fazer um filme no qual ela apostava bastante a tirou da peça, que começou então a ser ensaiada com outra atriz no papel.

Depois, contratempos acabaram impedindo o filme de sair do papel, e a atriz que faria "Os Realistas" também mudou de planos. Mariana estava de novo na peça (leia crítica nesta página).

"É um texto totalmente verborrágico, que fala das dificuldades da comunicação." Mariana diz que a obra a exaure psiquicamente, quase espiritualmente, porque toca em questões que são radicais. Mas não sente um cansaço físico. "Já fiz peças que me cansavam muito fisicamente, mas esta não."

Isso facilita a jornada tripla da atriz, frequentando os sets de filmagens de "O Banquete", de Daniela Thomas, e "3.000 Dias no Bunker", de Rodrigo Bittencourt.

O primeiro, filmado em longo plano sequência, teve duas semanas de ensaio e duas semanas de gravações intensas, com personagens em volta de uma mesa. "Envolve questões políticas e artísticas. O 'Banquete' de Platão é um subtexto."

No elenco, amigos como Drica Moraes e Caco Ciocler. "Eram 12 horas por dia fazendo e refazendo as cenas. Completamente diferente da coisa picadinha do cinema. Teve um caos criativo lindo. Era muito mais colaborativo, se parecia mais com ensaio de teatro do que com cinema."

Já "3.000 Dias no Bunker" é, como ela diz, cinemão. "Fala da equipe que criou o Plano Real, com Itamar Franco e FHC. O protagonista é o Gustavo Franco, que foi presidente do Banco Central. Um filme bem masculino. Eu faço uma economista fodona."

O tema traz a pergunta sobre o que ela leva em consideração na hora de aceitar um papel. "Uma somatória de coisas", responde. Acha melhor quando o roteiro chega com uma cartinha do diretor, com referências.

"Mas se é de um diretor que eu amo, aí estou meio cagando pro roteiro. Isso vai acontecer quando o Karim me ligar. Pode inclusive não ter roteiro. Vou cega, sem saber o que eu estarei aceitando", diz, referindo-se ao cineasta Karim Aïnouz, de "O Céu de Sueli" e "Praia do Futuro".

Em casa, ela toca três projetos. "Fiquei três meses sem trabalhar. Mesmo cuidando de duas filhas, não sei lidar com tempos vazios, sofro muito. Se fico sem horizonte de trabalho, começo a 'panicar'. Sou péssima dona de casa, me sinto inútil, começo a entrar em surto."

Ela tem de lidar com isso. É uma "profissional liberal", nunca foi contratada por muito tempo. Bem jovem, em 1996, se alternava entre a vanguarda da peça "O Livro de Jó", do grupo Teatro da Vertigem, e um papel na novela "O Rei do Gado", sucesso da Globo no horário das 21h.

Nesse período recente sem trabalho, voltou ao computador e retomou um roteiro a quatro mãos com Christiane Jatahy. As duas querem rodá-lo talvez daqui a dois anos, no México, Mariana atuando e Christiane dirigindo.

Sozinha, refaz versões de um monólogo e trabalha também num roteiro para cinema, a história de uma família. "Agora sei que tenho coisas para fazer se os projetos do momento não derem certo."

E, sobre momentos difíceis, ela diz sentir "uma profunda tristeza e indignação com o que está acontecendo com a democracia no Brasil".

"Sou absolutamente contra esse golpe das oligarquias de direita contra o voto, as eleições e qualquer instrumento de representação popular. Tenho assistido ao espetáculo de horror na Câmara e no Senado e me indignado a ponto de não pensar em mais nada a não ser em maneiras reais de reagir a isso, me engajando por meio do meu trabalho, que é onde está minha força participativa."


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