Folha de S. Paulo


Diretor mineiro investiga o popular e o político da América Latina em musical

O diretor mineiro Gabriel Villela não quer que ninguém esqueça o que aconteceu com o rio Doce, em novembro. Antes avesso à política, ele até se filiou a organizações que lutam para manter a tragédia ambiental de Mariana (MG) no foco das redes sociais e da opinião pública.

E estreia nesta sexta-feira (13) uma peça que se passa num rio, Orinoco, que termina numa das maiores áreas de exploração de petróleo do mundo, na Venezuela.

É uma comédia musical popular, do mexicano Emilio Carballido (1925-2008), com temas relacionados indiretamente à América Latina toda, como descreveu o próprio autor, que é uma das maiores referências na dramaturgia regional recente, em entrevista à Folha em 2003.

João Caldas/Divulgação
Luciana Carnieli, Walderez de Barros e Dagoberto Feliz em cena da peça 'Rainhas do Orinoco
Luciana Carnieli, Walderez de Barros e Dagoberto Feliz em cena da peça 'Rainhas do Orinoco'

"Rainhas do Orinoco" acompanha a pessimista Mina e a otimista Fifi, supostas vedetes, mas que estão mais para prostitutas, em sua viagem fantasiosa pelo rio, enfrentando "situações difíceis" que remetem alegoricamente à "luta dos povos latino-americanos", como afirmou o dramaturgo.

É realismo mágico, próprio de uma geração encabeçada por Carballido, explica o diretor, citando o argentino Arístides Vargas e o brasileiro Carlos Alberto Soffredini –de "Vem Buscar-me que Ainda Sou Teu", o primeiro espetáculo de Villela (foi montado em 1989), que a descreve como uma peça-irmã de "Rainhas do Orinoco".

O programa do novo espetáculo sublinha o elo com o realismo mágico por meio de um texto do colombiano Gabriel García Márquez sobre a América Latina, inclusive o trecho que fala desta "pátria imensa de homens alucinados e mulheres históricas, cuja tenacidade sem fim se confunde com a lenda".

Mas nada é muito explicitado, politicamente, nos duelos verbais que marcam a peça no palco. São "duas putas", descreve o diretor, que "vão ficando grandes, até o final 'Thelma & Louise'", à maneira do filme hollywoodiano de 1991, e ambas são lançadas de uma catarata.

CIRCO-TEATRO

Mina é interpretada por Walderez de Barros, atriz brasileira histórica, que começou no CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE e em 1968 já estava na novela "Beto Rockfeller". Natural de Ribeirão Preto (SP), ela se inspira no contato que teve, criança, com o circo-teatro.

"O teatro que eu vi na minha infância era circo", diz. "A minha formação é essa, 'Sansão e Dalila' no picadeiro. 'Rainhas do Orinoco' mexe com a minha memória mais antiga. É claro que tem o momento em que a gente renega, só quer teatro de Paris, da Europa, mas depois passa e a gente volta."

Walderez diz que "o belo, para mim, está ligado a isso". Ela divide o palco com Luciana Carnielli, que faz Fifi e que já trabalhou com Villela nas montagens de "Ópera do Malandro" e "Gota d'Água", musicais de Chico Buarque de Holanda, e com o ator e músico Dagoberto Feliz.

João Caldas/Divulgação
Luciana Carnieli, Walderez de Barros e Dagoberto Feliz em cena da peça 'Rainhas do Orinoco
Luciana Carnieli, Walderez de Barros e Dagoberto Feliz em cena da peça 'Rainhas do Orinoco'

Feliz, que dirigiu o mesmo texto há sete anos, também faz os arranjos instrumentais. A direção musical é de Babaya. Junto com Villela, eles mudaram as canções. No lugar daquelas separadas por Carballido, "resolvemos pegar Cascatinha e Inhana, guarânias paraguaias e outras", descreve o diretor.

A dupla sertaneja paulista e demais compositores populares, inclusive músicas recolhidas no interior mineiro, formam um elemento entre muitos na encenação como sempre "barroca" de Villela –descrição com que não concorda muito, mas aceita por indicar o cuidado com detalhes que o caracteriza. Outro é o cenário de William Pereira, que se aproximaria dos painéis de ópera.

Como Walderez, também o diretor, que é de Carmo do Rio Claro, interior de Minas, conheceu o teatro por meio do circo, o que se reflete nos figurinos com "cores, texturas e caimentos" desenhados por ele –e, desta vez, inspirados também por suas viagens pela América Latina.

Uma delas, a mais significativa, que ele relata com entusiasmo e grande detalhe, foi para o México de Carballido, de onde trouxe imagens, entre muitas outras, da "festa dos mortos".

RAINHAS DO ORINOCO
QUANDO sex., às 21h30; sáb., às 21h; dom., às 18h; até 3/7
ONDE Teatro Vivo - av. Dr. Chucri Zaidan, 2.460, tel. (11) 9-7420-1529
QUANTO R$ 50 (sex.) e R$ 50 a 80 (sáb. e dom.)
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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