Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Diva da praça Roosevelt, Phedra de Córdoba viveu para o teatro

A notícia correu a madrugada de ontem durante festa no Teatro Oficina. Phedra de Córdoba não resistira ao câncer e havia morrido aquela noite aos 77 anos. Ali mesmo, naquele Oficina, duas semanas antes, na noite de 25 de março, o teatro abrira suas portas para o espetáculo "Phedras por Phedra", dirigido por Gero Camilo e Robson Catalunha.

A homenagem à artista de origem cubana visava colher contribuições para custear o tratamento da atriz e ocorrera no mesmo dia em que os Rolling Stones tocaram para 400 mil pessoas na sua Havana querida. Ela havia deixado seu país natal em 1958 para fazer uma série de apresentações na Argentina. Tinha 20 anos de idade, ainda chamava-se Rodolfo Acebal e integrava uma companhia de dança fazendo par com a bailarina Lupi Sevilha.

Bruno Poletti/Folhapress
Atriz Phedra de Córdoba, que está internada em estado grave
Atriz Phedra de Córdoba, que morreu neste sábado (9) em São Paulo

A feminilidade de Rodolfo não cabia nele mesmo. Talvez nem no mundo. Rodolfo não queria voltar para sua Cuba - meses depois não veria Fidel Castro e companhia tomarem de vez o país e botar o ditador Fulgencio Batista para correr. Ele debanda do grupo e vai para o Rio de Janeiro com Walter Pinto, produtor e autor do teatro de revista em peças como "Os Quindins de Yayá", "A Cabrocha Não É Sopa" e "Tico-Tico no Fubá".

Assim nasce Phedra de Córdoba. Tinha 21 anos, morava no Rio de Janeiro, onde chegara como Felipe D. Cordoba. Participa de musicais ao lado de Costinha e depois em espetáculos de Dalva de Oliveira e Angela Maria. Passou aos shows em boates gays no Rio e depois em São Paulo. Teve uma vida dura, mas sua devoção ao teatro era uma lição para quem estava perto.

Atuou em dezenas de espetáculos e integrava o elenco do grupo Os Satyros desde 2003. Esteve em cartaz até recentemente no elenco de "Pessoas Sublimes", quando a fraqueza, consequente da doença, a afastou dos palcos definitivamente. Era querida, admirada em, em alguns círculos, louvadas.

O documentarista Evaldo Mocarzel a levou de volta a Cuba, 53 anos depois de ter deixado seu país, para filmar "Cuba Libre", em que ela toca em um dos assuntos que lhe eram caros: a luta pelos direitos dos homossexuais.

Desde a noite de sábado o perfil da atriz no Facebook já registrava várias homenagens de amigos e artistas conhecidos. Como o poeta e cantor Celso Sim, as atrizes Cléo de Paris, Maria Casadevall e Paula Cohen - todos participaram do elenco do espetáculo "Phedras por Phedra", que teve ainda Hugo Possolo, Thiago Mendonça e o cantor Rubi, entre outros. O diretor do Oficina, José Celso Martinez Corrêa, garantiu que o espetáculo voltaria ao cartaz em breve no próprio teatro.

Ainda podia se ouvir na madrugada de ontem naquele Oficina as palavras ditas no início do espetáculo, texto que abrirá a sua futura autobiografia: "Nestas páginas estão escritas verdades que só entenderão os psiquiatras ou grandes mentes capacitadas com astral alto de espiritualismo. Não é para ofender ninguém se forem lidas que sejam com atenção, então entenderão o que diz Shakespeare: Ser ou não ser, eis a questão".

O Brasil é o país onde as instituições e os viventes se desfazem em homenagens às pessoas, mas só depois que elas morrem. O Teatro Oficina é o país em que artistas sempre são celebrados em vida.


Endereço da página:

Links no texto: