Folha de S. Paulo


Artista usa partes de pornochanchadas cortadas pela ditadura em nova obra

"Eliminar a parte em que Cornélio aparece na cama com a empregada. Retirar a cena em que Ferrão batuca nas nádegas de Neusa simulando uma mordida. Na orgia, retirar a cena em que aparece uma velha deitada com um jovem. Cortar o casal formado por um mulato e uma branca."

Depois da censura, "A Banana Mecânica" perdeu um pouco do vigor. Essas cenas retiradas -por ordem da ditadura- da pornochanchada que Braz Chediak rodou em 1974 agora ressurgem num painel de vídeos de tudo que chocou os censores da época, uma espécie de altar à suposta imoralidade que a artista Fernanda Pessoa montou no Museu da Imagem e do Som.

Junto das sequências que nunca chegaram aos cinemas, estão no museu os pareceres da Divisão de Censura de Diversões Públicas, braço do regime para conter o que via então como excessos na cultura.

"Queria trazer à luz cenas esquecidas e seus documentos para provocar uma reflexão sobre o que eles têm de tão grave", diz Pessoa, que usou trechos de seis filmes na obra. "Essas listas de cortes são incríveis, quase peças literárias."

Breves, secos e autoritários, os documentos de fato lembram um Beckett às avessas ou um anti-Nelson Rodrigues na tentativa de expurgar com extremo recato e pudor tudo que não fosse aceito pelos militares –daí a censura a casais de negros com brancas, de senhoras com novinhos e a uma cena alegre demais envolvendo batucada numa bunda.

Outro filme, "As Cangaceiras Eróticas", também de 1974, precisou cortar planos em que guerreiras nuas só com adereços estilo Lampião mediam o o membro dos homens que faziam de vítima, algo que pareceu intimidar os censores.

Nesse sentido, a obra de Pessoa revela um tanto sobre a psique da ditadura, como se dissecasse seu superego. Um dado curioso é que no auge do regime, logo depois do AI-5, medida imposta em 1968 que restringiu ainda mais os direitos civis, houve uma explosão das pornochanchadas.

"Não era só chanchada, tinha 'pornowestern', 'pornodrama', 'pornossuspense', 'pornocangaceiro'", diz a artista, que finaliza agora um documentário só com trechos desses filmes na tentativa de reler os anos 1970. "Os produtores conseguiram consolidar uma mini-indústria do cinema que funcionava muito bem."

Tanto que sabiam navegar pelos meandros da burocracia e salvar da censura algumas cenas. Era comum entrar com pedidos de revisão das listas de corte ou mesmo inventar técnicas para neutralizar os efeitos desse controle estatal.

Uma delas era cortar o som de uma palavra que incomodasse, mas deixando ver o personagem falando, ou seja, permitindo a leitura labial.

Essa tática só não colou em "Bonitas e Gostosas", filme que Carlo Mossy lançou em 1979. Sua tentativa de mudar o nome da personagem Divagina para um simples Diva não agradou aos censores, que diziam ainda ser possível decifrar sua escandalosa alcunha.

FERNANDA PESSOA
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