Folha de S. Paulo


crítica

Ideia de 'A Garota Dinamarquesa' é atual, mas direção, conservadora

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Ainda que aborde episódios ocorridos há um século, "A Garota Dinamarquesa" trata de questões de gênero urgentes. Baseado no livro homônimo de David Ebershoff (que se inspira livremente em uma história real), o filme conta a história da dinamarquesa Lili Elbe (Eddie Redmayne), uma das primeiras transexuais a se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo.

Nascida biologicamente como homem, batizada de Einar Mogens Wegener, ela se tornou uma consagrada pintora de paisagens na Dinamarca dos anos 1920 e se casou com uma aluna, Gerda Wegener (Alicia Vikander).

Certo dia, uma modelo de Gerda falta a uma sessão. A pintora, então, pede ao marido que vista roupas femininas e pose para ela.

Esse é o gatilho para que Einar deixe aflorar Lili, a mulher que tinha guardado dentro de si e que sempre reprimiu.

A princípio, Gerda incentiva o que julga ser uma fantasia cross-dressing do marido. Até que percebe que a transformação é mais profunda –e que só terminará quando Einar se tornar definitivamente Lili, por meio de uma então pioneira e arriscada cirurgia.

Em vez de se concentrar na reação da sociedade à mudança de Einar, "A Garota Dinamarquesa" prefere focar o impacto causado sobre a relação do casal, na luta de Gerda para aceitar Lili –e na de Lili para aceitar a si mesma.

Se essa opção do filme pelo drama íntimo funciona, é porque o diretor Tom Hooper tem à disposição dois grandes atores, ambos justamente indicados ao Oscar. O britânico Redmayne (que ganhou o prêmio em 2015 por interpretar Stephen Hawking em "A Teoria de Tudo") e a sueca Vikander (que concorre a coadjuvante) dominam as nuances dos personagens.

A mensagem de aceitação (e autoaceitação) de "A Garota Dinamarquesa" é atual e importante, já que o maior debate sobre a transexualidade hoje não significa que os preconceitos estejam perto de serem erradicados.

Mas são os dois protagonistas que conseguem elevar o filme para além das boas intenções, dando uma face humana a uma questão política.

Isto posto, é preciso dizer que "A Garota Dinamarquesa" sofre de bipolaridade estética. Como o mundo não avançou tanto em um século, o filme pode ser considerado transgressor no conteúdo mas, na forma, é conservador.

Como nos filmes anteriores ("O Discurso do Rei", "Os Miseráveis"), Hooper parece seguir a cartilha de bons modos que os britânicos adotam quando desejam um Oscar.

Há uma contradição que permeia o filme entre a angústia visceral de Lili (de ter uma alma habitando um corpo que ela não reconhece) e a frieza empetecada com que Hooper retrata seu drama.

Nos EUA, o filme foi também criticado por atenuar as complexidades de Gerda –uma mulher forte, independente, possivelmente lésbica ou bissexual, transformada no filme em uma espécie de mártir que fica ao lado do marido sob qualquer condição. Talvez um personagem complexo já fosse suficiente para "A Garota Dinamarquesa"...

Lili precisou correr muitos riscos para se tornar quem ela era. Já o filme parece fugir dos riscos para tornar sua história palatável a um público amplo –e "premiável" pelo Oscar.

A GAROTA DINAMARQUESA
DIREÇÃO: Tom Hooper
ELENCO: Alicia Vikander, Eddie Redmayne, Amber Heard
PRODUÇÃO: Inglaterra, EUA, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, 2015, 14 anos
QUANDO: estreia nesta quinta (11)


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