Folha de S. Paulo


Leandro Hassum prepara filme sobre seu pai, narcotraficante ligado à máfia

Fabio Braga - 7.dez.2015/Folhapress
Leandro Hassum, 42, em hotel em São Paulo
Leandro Hassum, 42, em hotel em São Paulo

Leandro Hassum, 42, não é de fazer drama. Mas um dos comediantes mais bem sucedidos de sua geração, que estreou nesta semana a terceira parte da milionária franquia "Até que a Sorte Nos Separe", sabe que às vezes é preciso.

Para contar a história do criminoso que "chorava vendo cachorrinhos fofos", ele estreará no gênero dramático e também como diretor. O filme, do qual será protagonista, ainda é uma ideia na cabeça. Não é fácil, afinal, escrever a saga do seu pai.

Carlinhos da Lelé era um sujeito poderoso. Mas, dias antes do Natal de 1994, a Polícia Federal encasquetou com ele, que foi em cana. As acusações: participação num cartel internacional de drogas, que o conectava à máfia italiana e ao tráfico colombiano.

"Ele era sempre bem relacionado. Tem uma revendedora de carros na Ilha do Governador e chegou a possuir cavalos no Hipódromo da Gávea", disse à Folha, na época, o delegado Ramon Alonso.

Carlos Alberto era um "pai maravilhoso". Daqueles que buscava o filho adolescente na escola e o levava para tirar férias na Itália por três meses, em pleno ano letivo.

"Pensava, 'cara, que pai!'. Depois descobri que ele estava dando um tempo do Brasil porque tinha dado alguma merda", lembra Hassum. Já era ator e tinha 21 anos quando Carlos Alberto, o Carlinhos da Lelé, foi preso e condenado a 20 anos de cadeia.

Pai e filho saíram em fotos do jornal "O Globo" no mesmo dia. Um, algemado; o outro, numa foto da ópera "Carmen", que estreava no Rio com ele no elenco de apoio.

Os sinais eram tão explícitos que Hassum fez muita análise freudiana para entender como não percebeu nada antes. Uma vez, a Polícia Federal invadiu a casa. "Eu dormindo, e o caras com fuzil: 'Sai, sai'." O pai inventou história de alguém que o queria prejudicar e falou que ele tinha uma caixa de uísque sem nota fiscal. "Não viriam dez policiais só para isso, né?"

Até os 21 anos, Hassum diz que era o "perfeito filhinho de papai". Com o pai preso, tudo mudou. "Tinha carro importado num dia, e no outro pegava ônibus", conta ele num hotel de São Paulo.

Visitou Carlos Alberto na cadeia, mas brigaram e ficaram anos sem se falar. O pai sofreu um infarto uma semana antes de o filho fazer uma cirurgia de redução de estômago. Morreu aos 74 anos, seis dias depois da operação.

Hoje Hassum diz reconhecer o "esforço fodido que esse cara fez para me poupar, poupar minha mãe". O filme sobre o pai, afirma, "não será mais uma história de tráfico, e sim uma história humana, sem hollywoodismos".

EMPADINHA

Após 1994, o "filhinho de papai" teve de aprender a se virar. Vendeu empadinha na praia, deu aula de inglês, foi segurança e barman da boate gay carioca Le Boy, vestiu-se de Papai Noel em shopping e de coelho em festa infantil.

Paralelamente, investiu na carreira de comediante. Impulsionado pela série "Até que a Sorte nos Separe", virou sinônimo de cifrão para o cinema nacional.

Vejamos 2014. Com 4 milhões de espectadores, o segundo episódio da trilogia foi o único brasileiro entre os 20 filmes mais assistidos do ano (17º lugar numa lista liderada por "A Culpa É das Estrelas"). Outros dois filmes em que atuou, "O Candidato Honesto" e "Vestido para Casar", superaram 1 milhão de público.

Em "Até que a Sorte nos Separe 3", ele é o cara que vai quebrar o Brasil. Um espírito de porco poderia confundir essa afirmação com spoiler sobre 2016. O cenário de terra arrasada é, na verdade, pano de fundo para o novo episódio.

O comediante vive Tino, o homem com vocação para ganhar fortunas (por sorte) e perdê-las em seguida (um "talento nato"). Após torrar a herança da família em Las Vegas, ele é atropelado pelo filho do homem mais rico do Brasil.

Acorda meses depois. Sua filha se apaixonou pelo moço. Tino descola um emprego com o pai dele e acaba levando a empresa do bilionário –e o país junto– à bancarrota.

O pai do noivo é referência óbvia: Eike Batista. Sua mulher no filme até usa gargantilha com seu nome, como Luma de Oliveira fazia quando era casada com Eike. Vale lembrar que Thor Batista, filho do casal, atropelou e matou um ciclista em 2012 (acabou absolvido da acusação de homicídio culposo).

A produção tem referências à Dilma Rousseff. Tino troca as bolas e chama a presidente fictícia de "presidanta" e mulher "sapa", em alusão ao discurso em que Dilma citou a "mulher sapiens". Também faz piada com mandioca, remetendo à saudação ao tubérculo feita pela petista.

Para Hassum, os políticos brasileiros precisam aprender a rir de si mesmo. "Nos EUA, o presidente vai ao [humorístico] 'Saturday Night Live' e faz piada com o que sacaneiam ele na mídia."

Por aqui, a comédia em Brasília é involuntária. "Quando olho para o Eduardo Cunha, para a Dilma, gente... Quando chega este momento em que os líderes maiores da nação estão quase se justificando, tipo 'não fui eu que roubei a bola dele', isso me dá uma vergonhazinha, sabe? Acho tão pequeno."

Já tirar sarro de si mesmo é especialidade de Hassum. Ex-gordinho, ele simula um reality de emagrecimento para explicar por que seu personagem Tino secou. André Marques, o amigo na vida real que lhe convenceu a fazer a cirurgia no estômago num churrasco, vive ele mesmo no filme –e vence a tal competição fitness.

Ele nunca economizou na "autozoação", mas acha que piada de gordo eventualmente perde a graça. "Se gordura fosse engraçado, a gente ia para o açougue rir de picanha."


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