Folha de S. Paulo


Festival leva óperas para ilha na selva amazônica

Aos 20 anos, quando viajava pela Amazônia, Villa-Lobos (1887-1959) ouviu os "tambores dos índios, nas noites cheias de mistério". Encantou-se pelos sons da mata, que marcou sua obra.

Talvez o compositor não soubesse que sua música um dia retornaria à floresta. Mais precisamente à fazenda São Jerônimo, na ilha de Marajó (PA), onde aconteceu, de 31/10 a 2/11, a primeira edição do Banquete Ópera Festival.

Idealizado pela atriz e diretora Kátia Brito e pelo maestro Caio Cezar, orçado em R$ 860 mil, o projeto propunha levar um público de até 160 pessoas ao meio da selva amazônica para ouvir composições interpretadas pela orquestra e pelo coro da Fundação Carlos Gomes, além de solistas convidados. Tudo em esquema acústico.

Entre as apresentações, eram servidos pratos típicos (maniçoba, pato no tucupi).

É um investimento. De dinheiro (são R$ 4.680, com hospedagem, transfers e refeições inclusas). E de tempo. Leva-se três horas de barco de Belém até a ilha. No arquipélago, mais uma horinha por terra até a fazenda.

Na primeira noite, foi navegando pelos igarapés, a bordo de uma dezena de canoas, que surgiram as primeiras notas: uma "Melodia Sentimental", de Villa-Lobos, cantada pela soprano Gabriela Geluda e pelo tenor Juremir Vieira, que apareceram sobre outra embarcação, iluminados por tochas, lanternas e eventuais flashes dos espectadores.

Nos canais, os sons do coro e dos solistas se misturavam ao remar das águas.

Na tarde seguinte, os músicos interpretaram trechos de óperas como "Carmen", de Bizet, sobre palafitas erguidas no manguezal. Em meio a "Habaneras", cantos de pássaros e sobrevoos dos rubros guarás. Ao fundo, catadores de caranguejos seguiam incólumes seu trabalho.

Não há a acústica de um teatro, dizem os organizadores. A abundância de madeira e água colabora para a propagação do som. Mas tudo segue os percalços da natureza.

Houve atrasos, já que dependia-se, entre outros fatores, da maré. Por causa da chuva repentina, uma ópera do primeiro dia teve que ser adiada para o último. Após uma sessão, ao tentar cortar caminho por raízes, uma corista caiu na lama do mangue.

É preciso entrar no ritmo da floresta. Entre uma demora e outra, resta aguardar no calor amazônico –sem sinal de celular ou rádio, é difícil se comunicar com os motoristas que transportam o público.

Para 2016, planeja-se uma segunda edição. Talvez com "Fausto", de Charles Gounod, comenta Caio. "É densa e dramática como o manguezal."

A jornalista MARIA LUÍSA BARSANELLI viajou a convite do Banquete Ópera Festival e da Secretaria de Turismo do Pará.


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