Folha de S. Paulo


Série de João Barone resgata participação do Brasil na 2ª Guerra

Trailer de "1942 - O Brasil e sua Guerra Quase Desconhecida"

João Barone, 53, nunca serviu no Exército. Teve a sorte, nas palavras dele, de não ter sido convocado ao tirar seu certificado de reservista, por excesso de contingente.

A dispensa pode ter impedido sua incursão na vida militar, mas nem por isso o baterista do Paralamas do Sucesso deixou de dedicar anos ao estudo de parte da história bélica do Brasil: o papel dos pracinhas —os soldados sem patente da Força Expedicionária Brasileira— na Segunda Guerra Mundial.

O fascínio tem uma ligação pessoal. Seu pai, João de Lavor Reis e Silva, morto em 2000 aos 83 anos, foi um dos 25 mil soldados enviados para combater na Itália, embora não mencionasse o assunto com frequência.

"Não querer falar sobre as experiências de guerra era um comportamento comum entre os ex-combatentes", explica o músico. "A gente [ele e os três irmãos mais velhos] idealizava muito a figura do meu pai. Ele era o herói de guerra silencioso que tirou os alemães das montanhas da Itália."

Barone traçou o resgate de sua relação com o pai em "A Minha Segunda Guerra" (ed. Panda Books), seu primeiro livro, lançado em 2006.

Verônica Peixoto/Divulgação
João Barone + documentário sobre o Brasil na Segunda Guerra Mundial
O músico João Barone, que dirige documentário sobre o Brasil na Segunda Guerra Mundial

O músico-escritor voltou ao tema em sua segunda obra, "1942 - O Brasil e sua Guerra Quase Desconhecida" (2013, ed. Nova Fronteira). É esse livro que serve de referência para a série documental homônima, que estreia hoje (6) no canal sob demanda Philos, dividida em quatro capítulos.

"A participação brasileira na guerra foi o momento em que entramos no século 20. Minha tentativa é fazer com que reconheçamos essa página da nossa história, que passa despercebida e desvalorizada nos currículos escolares", diz.

O primeiro episódio recria o contexto histórico em 1942, quando o governo de Getúlio Vargas flertava com o fascismo antes de declarar apoio aos Aliados; o segundo aborda os preparativos para a expedição à Itália; no terceiro, relata a experiência dos combatentes sob fogo; já o quarto e último capítulo traz as vitórias da FEB, o retorno ao Brasil e a queda da campanha no esquecimento do imaginário popular.

Na direção de seu terceiro documentário —ele já assinou "Um Brasileiro no Dia D" e "O Caminho dos Heróis"—, Barone recorre a imagens de arquivo (como o encontro entre Vargas e Roosevelt em Natal e cenas do submarino italiano que atacou o litoral brasileiro) e entrevistas com ex-combatentes para recuperar a campanha histórica.

Em outro recorte, o diretor conversa com personalidades como Pedro Bial, Marcelo Madureira, Bi Ribeiro, William Waack, Luiz Fernando Veríssimo e Arthur Dapieve —todos relacionados, em maior ou menor grau, ao tema. "Bial é filho de judeus convertidos que fugiram do Holocausto. William Waack foi correspondente de guerra em conflitos recentes e escreveu 'As Duas Faces da Glória', sobre os soldados da FEB."

O diplomata Jorge Carlos Ribeiro, pai de Bi Ribeiro, baixista do Paralamas, também é entrevistado. Ele era criança quando seu pai servia na embaixada brasileira em Berlim. "Ele lembra como começou a guerra e os bombardeios ingleses sobre Berlim. Conta que se escondiam no porão e saíam pela rua para catar estilhaços de bomba e como correram para o Brasil quando foram rompidas as ligações diplomáticas", revela o diretor.

Ao buscar imagens de arquivo para seu projeto, Barone descobriu uma carência "muito grande" de registros. A solução foi recorrer a uma abordagem mais artística, que pudesse ser usada para dar um rigor temático.

Ainda assim, o diretor encontrou algumas raridades durante a pesquisa. "Para minha surpresa, encontrei coisas como uma filmagem inédita do governo americano dos aviadores brasileiros lutando no final da guerra. Um dos que fez mais missões, tenente Alberto Torres, voou 99 delas enquanto a FAB e o primeiro esquadrão de caça operavam dentro de uma esquadrilha americana", comenta.

Barone viajou à Itália em abril com alguns dos pracinhas, agora com mais de 90 anos, para filmar os festejos de 70 anos do fim da Segunda Guerra. "Os brasileiros são até hoje muito lembrados nas regiões em que passaram. Esse é o legado mais legal."

Legado pouco conhecido por aqui, segundo o diretor. Ele lamenta o ostracismo ao qual esse capítulo da história brasileira foi relegado. "Costumo dizer que, dos 25 mil soldados que foram para a guerra, poderíamos ter ouvido 25 mil histórias diferentes: histórias da política vigente e das pessoas que viveram aqueles tempos."

Com "1942", Barone tenta tirar o tema do gueto em que esteve escondido do grande público. "Nossa História merece", conclui.

NA TV
1942 - O Brasil e sua Guerra Quase Desconhecida
QUANDO estreia hoje (6) no canal sob demanda Philos


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