Folha de S. Paulo


Montagem de 'O Capote' ressalta ironia da escrita de Nicolai Gógol

A figura cômica e grotesca de um escrevente marcou a produção literária russa no século 19. "Todos nós saímos de 'O Capote'", disse certa vez o escritor Fiódor Dostoiévski, em referência ao conto de 1842 de Nicolai Gógol.

O protagonista da história, o funcionário público Akaki Akakievitch, também chamou a atenção do ator Rodolfo Vaz, que agora interpreta o personagem na montagem teatral "O Capote", com estreia marcada para este sábado (25) em São Paulo.

João Caldas/Divulgação
O ator Rodolfo Vaz como o personagem Akaki na peça
O ator Rodolfo Vaz como Akaki na peça "O Capote", adaptação do conto de Nikolai Gógol.

Akaki "é um sem nada, uma pessoa sem desejo", define Vaz. Habituado a uma rotina repetitiva de copiar documentos, é também um alienado ao mundo em que vive.

Certo dia, surge da sua inércia um ímpeto: decide economizar para trocar seu velho e puído sobretudo por um novo. Sofre severas restrições, chega a passar fome, e finalmente conquista o feito.

Mas a aquisição tem um desfecho trágico –metáfora de Gógol ao caráter sinistro e absurdo do império russo sob o regime do autocrata czar Nicolau 1º.

O conto foi primeiramente adaptado sob forma de monólogo pelo médico e colunista da Folha Drauzio Varella, que já havia trabalhado com Vaz há seis anos, na peça "Por Um Fio", de autoria do médico.

"Busquei sintetizar aquilo de que eu mais gostava nesse conto", explica Varella. "Gógol conseguiu caracterizar esse personagem de uma maneira muito forte, e tentei ao máximo ser econômico, não desperdiçar palavras."

HIERARQUIA

A partir de improvisos, porém, sentiu-se a necessidade de trazer mais vozes para o personagem. E o dramaturgo Cássio Pires, baseando-se no monólogo de Varella, acrescentou ao texto dois narradores (papéis de Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas).

"Na literatura de Gógol, o narrador é tão importante quanto o que se conta", diz Pires. Dessa forma, os narradores entram em cena não como contadores de histórias que se dirigem ao público, mas como figuras que subjugam e atrapalham Akaki, não deixando que este fale.

"É uma disputa de palavras que se transforma numa estrutura de poder", resume Pires. "Ao mesmo tempo que o narrador expõe a hipocrisia daquela sociedade, ele é irônico e cruel com o Akaki", completa Yara de Novaes, que dirige a montagem.

"No processo, a gente começou a se perguntar muito o que seria o Akaki hoje", afirma Vaz. Assim, esses narradores têm caracterizações contemporâneas –distintas de Akaki, personagem do início do século 19– e carregam toda a ironia do texto.

Também entram em cena uma musicista (Sarah Assis) e projeções criadas pelo videoartista Rogério Velloso.

"Como Gógol ironiza, na própria linguagem dele, o procedimento da escrita, ele gera em nós uma necessidade de criarmos os nossos próprios procedimentos", diz Yara. "É como se ele nos libertasse para isso."

O CAPOTE
QUANDO sáb. e seg., às 20h, dom., às 19h; até 21/9
ONDE CCBB, r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113 3651/3652
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO 12 anos


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