Folha de S. Paulo


Atriz luta contra ventilador em peça absurda inspirada em Beckett

A palavra "absurdo", na obra de Samuel Beckett (1906-1989), é bastante usada para definir a sensação de uma impossibilidade. Há semelhança com animações, e quem foi criança nos anos 1980 talvez se lembre da Pantera Cor-de-Rosa empenhada só em atravessar a rua durante todo um episódio.

Pois é aí que entra uma adaptação dos irmãos brasilienses Adriano e Fernando Guimarães, pesquisadores de Beckett, para "Ato Sem Palavras 1", exibida a partir desta sexta (5) dentro da programação de "Sozinho Juntos", projeto que une peças e debates debates em torno do universo criado pelo dramaturgo.

Escrito nos anos 1950, o espetáculo é originalmente protagonizado por um homem que habita uma espécie de deserto, preso a um jogo de ações marcadas por apitos. Ele deve atuar com objetos que descem à cena amarrados a cordas e que sempre lhe escapam, gerando um círculo de repetições inócuas.

VENTILADOR

Adaptado, o espetáculo traz Yara de Cunto, 76, ex-bailarina e coreógrafa cuja personagem tem por objetivo estender uma toalha sobre uma mesa e servir a si própria um chá. Seria uma atividade bem simples, não fosse a presença de um ventilador com cerca de dois metros ligado em cena.

A performance faz parte de "Sopro", que também inclui a peça "Passos", em que De Cunto contracena com a atriz Liliane Rovaris.

No texto dos anos 1970, Beckett sugere um diálogo entre mãe e filha, em que a figura da mãe é representada apenas por uma voz. Mais próxima do texto original, a peça propõe uma inversão de papéis das personagens.

Na leitura de "Ato Sem Palavras 1", por sua vez, procura-se uma fidelidade às avessas, recriação que só "se baseia na estrutura dramatúrgica" que o autor propõe, diz Fernando. "Mantivemos a ideia de fracasso que atravessa o texto ao criar uma impossibilidade física em uma ação cotidiana", completa Adriano.

A dificuldade também decorre de uma questão real, em que são colocados em jogo a memória e os limites físicos da própria intérprete. Por causa da idade, algumas ações em cena tornam-se ainda mais complicadas.

Há por exemplo o momento em que De Cunto deixa uma bengala cair e precisa apanhá-la de volta. Ela diz que, mesmo sem a ventania, um problema na cabeça de um fêmur lhe impõe um obstáculo. A atriz precisa abrir bem as pernas para vagarosamente poder agachar. Cria-se, portanto, uma questão coreográfica.

A escolha de De Cunto para protagonizar a peça não é fortuita. Os irmãos Guimarães se aproximaram profissionalmente dela por causa de sua bagagem com a dança –formada na Escola de Dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, ela dançou no Balé do 4º Centenário, nos anos 1950, e em 1969 fundou Corpo de Balé do Teatro Guaira, em Curitiba.

As duas últimas vezes que ela havia entrado em cena como atriz foram em 1960 – no espetáculo "Calúnia", com Tônia Carrero e direção de Adolfo Celi, e em "Oscar", e no palco do Teatro Ipanema, com Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque.

SOPRO
QUANDO sex. e sáb., às 21h30; dom., às 18h30; até 14/6
ONDE Sesc Belenzinho, r. Padre Adelino, 1.000, tel. (11) 2076-9700
QUANTO R$ 25
CLASSIFICAÇÃO 16 anos


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