Folha de S. Paulo


Com ator de 'Pulp Fiction', mexicano 'Chronic' choca público de Cannes

A sexta-feira (22) do Festival de Cannes começou com o sol batendo forte no Palais des Festivals, ao contrário do dia anterior, marcado por chuvas fortes. Mas o clima durante a primeira sessão para a imprensa de "Chronic", novo filme do mexicano Michel Franco ("Depois de Lúcia") não poderia ser mais diferente: o drama sobre um enfermeiro (Tim Roth, de "Pulp Fiction") que cuida de pacientes terminais com uma dedicação quase inacreditável deixou a plateia sem reação no final chocante e deprimente.

Escolhido pelos organizadores do festival uma semana depois do anúncio oficial da competição pela Palma de Ouro, "Chronic" não tem cara de azarão. Franco estuda como uma doença afeta o cotidiano de uma família, analisando discretamente fatores como egoísmo, paranoia e como altruísmo chega a ser uma característica impossível no ser humano.

Gregory Smith/Efe
Cena de 'Chronic', com Tim Roth (dir.) no elenco principal
Cena de 'Chronic', com Tim Roth (dir.) no elenco principal

A inspiração para o personagem de Roth, em um dos melhores papeis de sua carreira, veio do próprio cineasta, que perdeu a avó em 2010.

"Ela ficou doente e passou vários meses presa na cama até morrer", disse Franco em entrevista após a exibição do filme. "Fiquei emocionado e intrigado pelas enfermeiras que cuidaram dela. E decidi fazer um filme disso quando perguntei para a mulher que cuidou de minha avó se ela se apegava a todos os pacientes. Ela apenas sorriu gentilmente para mim."

Ironicamente, o mexicano diz que "evita pensar na morte", mesmo tendo dirigido "Chronic" e "Depois de Lúcia", dois longas que orbitam em torno do tema. "É contraditório, mas o cinema é a melhor maneira para investigar profundamente esses temas."

Tim Roth, que desponta como um dos candidatos ao prêmio de melhor ator, passou por treinamento com quatro enfermeiras para alcançar a dedicação do seu personagem nas telas.

"Tim tem uma sensibilidade parecida com a minha, então trabalhei junto dele para desenvolver o roteiro", explicou Franco, que recebeu o prêmio da mostra Un Certain Regard por "Depois de Lúcia", há três anos, das mãos do inglês —presidente do júri naquele ano. "Normalmente, um ator demora duas semanas para responder se topar participar de um filme, mas ele falou que gostaria de falar sobre o projeto depois de duas horas. Não havia nenhum ego nele."

"Chronic" enfrenta uma das competições mais acirradas dos últimos anos, mas o impacto do longa mexicano ultrapassa prêmios ou eventos festivos. Não apenas pelas cenas fortes com os doentes terminais. Mas pelo que passa em poucas palavras. É um filme que fica grudado na mente e no estômago.

Mesmo que cause um mal-estar no fim —os jornalistas, em Cannes, não vaiaram e nem aplaudiram ao subir dos créditos. Cinema, afinal, não é só deslumbramento.


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