Embora tenha até o mesmo título do filme hollywoodiano de 1962, por sua vez derivado de uma "telepeça" de 1958, a peça "Dias de Vinho e Rosas" é outra coisa –e melhor. Dos sete personagens, restam só dois, que de nova-iorquinos passam a imigrantes irlandeses em Londres.
As mudanças, algumas profundas, outras desnecessárias, devem-se sobretudo ao irlandês Owen McCafferty, que reescreveu o original do americano JP Miller. Mas podem ser creditadas também ao diretor Fábio Assunção e à tradutora Clara Carvalho, que faz ainda a direção de movimentos.
Em sua adaptação final para o palco, o texto reduziu-se ainda mais, resultando em fiapos cortantes de diálogo que evitam a qualquer custo a emoção fácil.
Ator de peças de Sam Shepard e outros, agora em sua segunda direção, Assunção troca o melodrama sobre alcoolismo –que tanto marcou o filme, dirigido por Blake Edwards e com um choroso Jack Lemmon– por diálogos secos e ao mesmo tempo simbólicos sobre o amor. E na interpretação impõe uma rígida contenção emocional aos atores.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Daniel Alvim e Carolina Manica em cenas da peca "Dias de Vinho e Rosas", dirigida por Fabio Assunção |
A trama acompanha Donal, que conhece Mona no aeroporto, ambos a caminho de Londres, e logo oferece a ela um gole. Com os anos, os dois vivem juntos e têm um filho, seus sonhos na cidade aos poucos se desfazem –e eles bebem, bebem cada vez mais. Ele até começa a reagir, aos poucos. Ela, não.
Parece receita pronta para uma peça sentimental, de culpa moral, mas "Dias de Vinho e Rosas" não resulta em nada disso.
Em meio às ações contidas, que retratam a lenta derrocada embalada por álcool, a emoção escapa sobretudo pelo corpo da atriz Carolina Mânica, em movimentos de tristeza e prostração crescentes –que transbordam no final, quando caminha, quase imperceptível, para um Donal que a abandona.
Interpretado por Daniel Alvim, o marido não tem o mesmo impacto, mas é adequado à narrativa, conjuga-se bem com Mona. Falta a violência, a agressão física à mulher, mitigada nesta versão brasileira. Mas evitar a crueldade talvez tenha sido uma opção correta, contra o risco de melodrama.
Menos satisfatória é a decisão de usar os dois atores como contrarregras, na troca das nove cenas, o que não guarda relação direta com os personagens ou com a trama, resultando mais num ruído, em algo decorativo.
Não é esse o caso, pelo contrário, da nudez de Mona. Afinal, é o corpo dela –em sua fragilidade, magreza– que ilustra a decadência até o abandono derradeiro. Na mesma linha vão os belos figurinos de Mona, de Fábio Namatame, e a trilha composta por Egberto Gismonti, pontuando a confusão de amor e álcool, vinho e rosas.