Folha de S. Paulo


Ken Watanabe cantará e dançará na nova versão de 'O Rei e Eu'

Se caísse em mãos erradas, "O Rei e Eu" ganharia ares de historinha da Disney. Também tem o "fator Yul Brynner": foi ele que marcou o papel do Rei do Sião, em 1951 -e continuou a interpretá-lo poucos meses antes de sua morte, em 1985.

Como fazer o público se livrar de uma imagem tão marcante e aceitar a novidade?

Em sua nova versão do musical, que estreia em 16 de abril no Teatro Vivian Beaumont, Bartlett Sher resolveu o problema da afetação da mesma maneira com que tornou o revival de "South Pacific", em 2008, inovador e interessante: voltando à versão de Rodgers & Hammerstein e enfatizando a forma como o subtexto histórico reflete o mundo atual.

E, para sair da sombra poderosa de Brynner, ele contratou Ken Watanabe, um astro de cinema japonês que nunca cantou nem dançou no palco e cujo inglês continua em progresso constante.

A produção do Teatro do Lincoln Center, que também conta com a estrela da Broadway Kelli O'Hara, não é só a história de uma professora e um soberano siamês tentando superar diferenças culturais. As discrepâncias no palco são reais.

"O Ken passa a impressão de ser alguém de um reino antigo que se encontra com um ocidental pela primeira vez", disse Sher. Ele contou que decidiu trabalhar com Watanabe assim que o viu no filme de 2007 de Clint Eastwood, "Cartas de Iwo Jima", no qual ele interpreta o general no comando das forças japonesas derrotadas.

"Disse a mim mesmo: 'Esse cara é um rei'". Sher foi até Vancouver, onde o ator estava rodando "Godzilla".

"Um musical? Em inglês? Sério? Não, não, não, nunca que vou dar conta" foi a primeira resposta do astro ao convite.

Pessoalmente, Watanabe é simpático, direto e desarma qualquer um -é um homem alto e impressionante, que exala autoconfiança.

No segundo dia de ensaio, ele colocou a capa roxa sobre o moletom que vestia e, na mesma hora, se tornou um monarca. Já tinha raspado a cabeça, como Yul Brynner. E confessou temer que, se não o fizesse, o público poderia "desacreditá-lo". Preferiu se livrar dos cabelos para se tornar mais acessível.

Em vez de abrir a cena da maneira tradicional, com o rei no trono, Sher quis que Watanabe, cercado por um cortejo baba-ovo, caminhasse ao longo do palco estendido do Beaumont.

O ator fez uma caminhada majestosa e metódica -quando parou para saber que os franceses tinham colonizado o Camboja (diálogo que Sher descobriu no roteiro original), mostrou alarme e irritação dignas de um rei em relação aos "europeus predatórios".

Sher balançou a cabeça, em aprovação. Depois, afastando-se para que Watanabe não o ouvisse, comentou: "Quando começamos, pensei: 'Ah, meu Deus, talvez ele seja um dos melhores atores com quem já trabalhei'. Sua capacidade é tão vasta para tantos tipos diferentes de desafios que não dá nem para começar a registrar."

No bate-papo informal, Watanabe segura o inglês perfeitamente bem. Um dia, durante o almoço, contou que foi criado em Koide, no Japão, e que, quando garoto, aprendeu a tocar trompete porque queria se tornar músico. Porém, aos treze anos, seu pai, um professor de caligrafia, ficou doente e não havia mais dinheiro para as aulas.

Decidiu, então, se tornar ator e foi aceito na escola de artes dramáticas da trupe Em, famosa por ser extremamente seletiva. E foi ali que aprendeu um pouco de inglês, enquanto estudava Shakespeare. No entanto, ele só começou a se dedicar ao idioma com afinco em 2003, quando foi escalado para participar do filme "O Último Samurai", ao lado de Tom Cruise.

Foi o papel que lhe abriu as portas do cinema norte-americano, lhe garantindo participações em "Batman Begins", "A Origem" e o ainda inédito "The Sea of Trees", de Gus Van Sant.

Como Javier Bardem e Marion Cotillard, Watanabe se tornou um astro internacional, embora ainda seja muito mais famoso no Japão.

"É meio como a arte imitando a vida e vice-versa. Tem tudo a ver com o espírito da história", disse a colega Kelli O'Hara.


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