Folha de S. Paulo


Crítica: Obra permite mergulho profundo na mentalidade aristocrática

Em 1831, um jovem aristocrata de 26 anos embarcou no porto do Havre com destino aos Estados Unidos; tinha sido encarregado pelo governo francês de escrever um relatório sobre as condições dos presídios americanos.

O livro que resultou dessa viagem seria um dos grandes clássicos do pensamento político: "A Democracia na América", que Alexis de Tocqueville publicou em dois volumes, nos anos de 1835 e 1840.

Em "Parrot e Olivier na América", o romancista australiano Peter Carey fez muito mais do que adaptar para a ficção a viagem de Tocqueville aos Estados Unidos. Criou, em primeiro lugar, um personagem vivíssimo, o jovem fidalgo Olivier de Garmont.

Fred R. Conrad/The New York Times
Intervenção sobre retrato do historiador francês Alexis de Tocqueville
Intervenção sobre retrato do historiador francês Alexis de Tocqueville

Ainda que tenha muitas das características do seu modelo, e reproduza as ideias de Tocqueville sobre a sociedade americana, Olivier de Garmont se emancipa do mero registro biográfico.

O romance de Peter Carey nos faz ver de dentro como funciona uma mentalidade aristocrática, irritadiça, frágil –e de que modo o contato com uma realidade nova é capaz de modificá-la. O garoto mimado dos primeiros capítulos, cuja infância foi marcada por relatos de parentes vitimados pela guilhotina na Revolução Francesa, terminará florescendo na figura de um pensador vigoroso e de um homem apaixonado.

Metade dos capítulos de "Parrot e Olivier na América" é narrada em primeira pessoa por esse aristocrata em transformação. Intercalam-se no livro os trechos em que outro personagem, bem mais vigoroso, toma a palavra.

Parrot e Olivier na América
Peter Carrey
livro
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Mistura de criado, de inimigo e de espião, Parrot é encarregado de acompanhar o aristocrata em sua viagem. Teve várias vidas, marcadas por extrema brutalidade e injustiça. É o mundo dos párias, dos marginais, que convive, em relações complexas de poder, com o da nobreza ameaçada.

O interesse do leitor se aviva quando Tocqueville/Garmont toma a palavra. O gosto de Peter Carey pelo grotesco, pelo cruel, pelos extremos, inclina o peso do livro, entretanto, para Parrot.

A construção do romance parece, assim, um pouco desequilibrada; mas isso é compensado pela imaginação de Carey, sua capacidade de inserir vários entrechos a serviço de uma ideia básica.

A saber, de que modo aquela nova e estranha sociedade, nascida da Revolução Americana, é capaz de revolucionar, ou não, a personalidade dos que a descobriram.

PARROT E OLIVIER NA AMÉRICA
AUTOR Peter Carey
TRADUÇÃO Adriana Lisboa
EDITORA Record
QUANTO R$ 65 (391 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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