Folha de S. Paulo


Moda perdeu emoção e criatividade, diz jornalista

Referência na moda brasileira, Regina Guerreiro, 74, passou pelas redações das principais revistas especializadas incluindo a da "Vogue", que editou por 14 anos.

À Folha, ela fala sobre mudanças do mercado.

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Concorda com quem diz que a moda saiu de moda?

Regina Guerreiro - A palavrinha moda', infelizmente, sofreu um processo de banalização. Tinha tanto poder de sedução que foi usada e abusada"¦ Tadinha, se esvaziou, tudo ficou sendo moda, menos a própria moda. Os números engoliram os sonhos.

Não acontece só no Brasil, é um momento do mundo. Pouca emoção, pouca criação. Soluções rápidas e baratas são fundamentais.

Luciano Schmitz/Arte

Outro fator é que a área do corpo humano tem limites. Algumas vezes, parece que todas as possibilidades já foram percorridas. Longo, curto, míni, seco, drapeado, embabadado, fechado, decotado. O passado vive alimentando o futuro em proporções e decorações. A modernidade acontece mesmo na tecnologia das matérias primas. É o grande trunfo de hoje.

Como as condições são mais pobres, é necessário pôr a cabeça para funcionar. Uma simples camiseta tem que ter o DNA da sedução, talento é conseguir isso.

Alguns estilistas apontam para o fato de que semanas de moda divididas por temporada já não fazem sentido. Acha que o modelo se desgastou?

O problema não está no calendário, mas no contraste das empresas participantes. Moda-butique é moda-butique, tem uma fatia específica do mercado, menor, outras datas de lançamentos. Deveria ter um calendário próprio.

Moda grande, indústria, tem outros problemas: produção, entregas, impostos, salários, tudo é mais complexo. A grande indústria tem que estar com tudo pronto na hora das vendas, que, por lógica, deveriam acontecer imediatamente após o lançamento na semana de moda, e não antes. O evento deveria atingir apenas os compradores e os jornalistas profissionais. Mas cresceu demais, todo mundo quer estar lá"¦

Se o efeito-estufa continuar a aumentar, e no Brasil fizer o tempo todo esse calorão infernal, os defensores do fim do calendário terão razão. Mas uma nova coleção sempre acorda o mercado. Agitar é preciso.

O que acha do modelo de calendário de moda brasileiro?

Acompanhei todo o processo do Paulo Borges e da construção da SPFW. Esse menino' é um visionário, um mágico. Há 20 anos, a palavrinha moda quase não existia e foi ele que conseguiu fazer os descrentes da época acreditarem nela. Convenceu gregos e troianos de que moda é business sério.

E o jornalismo de moda hoje?

O espírito da moda' contaminou o planeta. E pintaram (que pena!) os recém-chegados, pessoinhas que adoram se pendurar na onda da vez. Não é regra, claro, mas tive pseudo-assistentes que nem sabiam o que era trench-coat e andavam de nariz para cima, só se achando"¦

Jornalismo de moda não se inventa, não se chuta. Não é palpite, não é gosto pessoal. É preciso aprender, sentir, entender. Nesse processo entra entrega, paixão, nadinha de deslumbramentos, sabe como? O visú made in Brazil' é responsabilidade de todos nós do planeta-fashion: afinal, trata-se do nosso retrato. Cuidado!


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