Folha de S. Paulo


Opinião: Escolha de curadoria do país na Bienal de Veneza é falha

No último dia 15, o presidente da Fundação Bienal, Luis Terepins, anunciou que a representação brasileira na Bienal de Veneza, em maio de 2015, será feita por um curador que não está envolvido com a 31ª Bienal de SP.

No lugar do britânico Charles Esche, que lidera a equipe de curadores da mostra em cartaz, a fundação escolheu Luiz Camillo Osorio, curador do MAM do Rio, e Cauê Alves, professor de arte contemporânea da PUC-SP.

A decisão rompe com uma tradição que acontece desde 1995. A representação do país na mais tradicional mostra de artes do mundo é uma atribuição do Ministério da Cultura e do Ministério das Relações Exteriores.

Naquele ano, Edemar Cid Ferreira convenceu o governo de que seria mais adequado que o curador da Bienal de SP também se ocupasse do pavilhão brasileiro na Itália.

A exceção a essa regra ocorreu também em 2006, na 27ª edição da Bienal, a cargo da curadora Lisette Lagnado.

Há oito anos, Lagnado não pôde indicar a representação em razão dos conflitos que a curadoria e a presidência enfrentaram com o grupo de artistas Superflex, cujo trabalho foi censurado na mostra.

Na época, o então presidente da Fundação Bienal, Manoel Francisco Pires da Costa, quase levou a instituição à falência. Um novo grupo, que incluía Luis Terepins, assumiu e vem sanando as dívidas desde então.

O estranho nessa segunda puxada de tapete da curadoria em Veneza é que, mesmo com uma nova configuração da diretoria da instituição, repete-se a incapacidade de administrar conflitos.

Ocorre que a representação em Veneza é um dos itens do contrato entre a Fundação e os curadores. A suspensão dessa atribuição foi uma decisão unilateral, sem consulta aos curadores estrangeiros responsáveis pela Bienal. No mínimo, revela falta de respeito da entidade.

Sabe-se que o presidente e membros da diretoria decidiram "penalizar" os curadores, que apoiaram o manifesto dos artistas da mostra em cartaz contra a verba de patrocínio do consulado de Israel à Bienal, além do próprio conteúdo transgressor da exposição.

Pior do que não revelar o real motivo da falta de representação é a explicação oficial: repassar a tarefa a um "curador mais identificado com o trabalho dos artistas brasileiros", como afirmou Terepins, em e-mail à Folha.

Trata-se de um discurso xenófobo e tradicionalista, que contraria a atual fase, inaugurada justamente por Lagnado, de questionar a noção de representação nacional.

A questão é: por que o Ministério da Cultura e o Ministério das Relações Exteriores concordam com a atitude da Fundação, se são eles quem financiam a representação?

Há dois anos, a Fundação Bienal não entregou o pavilhão pronto a tempo da abertura para convidados em Veneza.

Agora, ela se mostra pouco transparente ao indicar o curador, repetindo um procedimento personalista. Um caso exemplar foi quando o seu fundador, Ciccillo Matarazzo, em 1963, fechou o MAM e repassou o seu acervo à USP, também de forma unilateral.

Se não são os curadores da Bienal de SP que cuidarão de Veneza, por que a Fundação Bienal é a responsável pela indicação? Está na hora de repensar, de forma transparente e democrática, qual é a melhor instituição para cuidar dessa missão. A Fundação Bienal não parece sê-la.


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