Folha de S. Paulo


Crítica: Excesso de caricatura sufoca espetáculo de Robert Lepage

Robert Lepage continua mágico, mais até do que antes. O palco de arena que construiu para as quatro peças do ciclo "Jogos de Cartas", com o cenógrafo Jean Hazel, é uma caixa de magia.

Personagens, objetos de cena e cenários inteiros sobem e descem no círculo diante dos espectadores, num redemoinho de efeitos especiais. Não faltam nem telas de televisão, que se escondem no alto e surgem para intervenções com a falsa "realidade" da guerra do Iraque.

A guerra, na primeira peça da tetralogia, "Espadas", é referência distante: trata-se de um espetáculo sobre Las Vegas, a capital do jogo.

Em particular, sobre cinco personagens de um hotel da cidade: o executivo viciado em jogo, a camareira imigrante, o soldado em treinamento num quartel próximo e dois jovens que foram até lá se casar.

Lepage morou durante meses num hotel de Las Vegas, quando dirigiu um show do Cirque du Soleil, no momento em que os EUA invadiam o Iraque. Embora escritos de forma "coletiva", os personagens parecem todos saídos diretamente do autor-diretor.

Nem são personagens, mas caricaturas pouco reveladoras em narrativas desconexas. Até suas mortes, inclusive dois suicídios, soam gratuitas, inexplicáveis. O que não quer dizer que não sejam belíssimas.

O executivo, pressionado por dívidas, se joga pelo deserto do Arizona. Já aparentemente morto, sobe aos céus levado por um furacão de areia.

É o truque mais arrebatador da caixa, mas quase injustificável, por mais que se busquem deixas nas duas horas e meia da apresentação –e que este seja o papel mais desenvolvido e bem representado, pelo irlandês Tony Guilfoyle.

Quando o diretor canadense assombrou o teatro mundial, mais de duas décadas atrás, não foi pelos efeitos especiais. Ou, melhor, foi porque ele conseguia reunir fábulas e efeitos, texto e imagem, quase como brincadeira, daí as comparações com o diretor inglês Peter Brook.

A brincadeira não impedia que os temas fossem aprofundados, como no arrebatador "Needles and Opium", sobre arte e drogas, primeiro espetáculo seu no Brasil. Outra criação de mais equilíbrio foi "The Far Side of the Moon", também apresentada aqui.

"Jogos de Cartas: Espadas" parece um espetáculo de magia de Las Vegas ou do Cirque du Soleil. Em vez de abrir e tornar mais acessível o mundo de Robert Lepage, o teatro de arena terminou por encerrá-lo, prendê-lo na caixa. É difícil imaginar que ele chegue ao fim da tetralogia sem explodi-la.

JOGOS DE CARTAS: ESPADAS
QUANDO hoje, às 21h, última apresentação
ONDE Sesc Santo Amaro, r. Amador Bueno, 505, tel. (11) 5541-4000
QUANTO R$ 60
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO regular


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