Folha de S. Paulo


Análise: Carvana foi muito além da imagem de bonachão das novelas

Os personagens simpáticos e os que projetam uma constante bonomia são as marcas que Hugo Carvana deixa mais impregnadas na memória do telespectador. Do clássico repórter Waldomiro Pena ao Seu Silveira de "Insensato Coração" (2011), o físico e a voz do ator serviram para denotar aquilo que o público sedento de valores firmes chama de "bom caráter".

O Carvana ator, contudo, foi muito além dessa imagem simples de bonachão projetada ano a ano nas novelas e seriados. Quando passou a integrar o elenco de produções da Globo, em meados dos anos 1970, ele já possuía uma bem preenchida ficha de duas décadas de serviços no cinema.

Sua estreia, em 1955, em "Trabalhou Bem, Genival" marca o primeiro encontro com as histórias de malandros, caras que preferem levar a vida na flauta ou que aliviam o peso do trabalho com uma crença inabalável na liberação e alegria. Talvez isso se explique pela proximidade entre seu nome e a palavra "carnaval".

Antes de se fixar no imaginário como trambiqueiro, a face de Carvana é frequente ao longo de todo o Cinema Novo. Os pequenos papéis nos mais importantes títulos de todos os expoentes do movimento garantem para ele, antes de tudo, regularidade.

Assim, Carvana funda uma trajetória como o tipo de intérprete que os norte-americanos chamam de "character actor", aquele que, mesmo restrito a papéis secundários, tem características que as plateias reconhecem de imediato.

Essa vantagem se alterna com o prestígio quando Carvana passa à direção em 1973, com "Vai Trabalhar, Vagabundo". Como Secundino Meireles, o ator-diretor encarna um símbolo de rebelião, por meio da recusa ao trabalho, em pleno regime militar, garantindo a popularidade do filme para além de seu bom humor.

Com "Se Segura, Malandro!", ele confirma a verve para interpretar com ironia as agruras do brasileiro, fazendo no cinema aquilo que os cronistas conseguem com precisão e leveza na escrita.

É, no entanto, ao tomar distância de sua própria persona cinematográfica, que Carvana alcança seu mais belo trabalho na direção, em 1982, com "Bar Esperança". Neste mapa puramente afetuoso que ele traça de um grupo de amigos ficaram registradas as desilusões geracionais, as mutações nos papéis de homens e mulheres e o Brasil que àquela altura livrava-se de uma era pesada. No lugar de rancor ou cinismo, Carvana enxergou ali muitas razões para rir.

João Miguel Junior/Divulgação/TV Globo
Ator e diretor Hugo Carnava, que morreu neste sábado
Ator e diretor Hugo Carvana, que morreu neste sábado

Endereço da página: