Folha de S. Paulo


Na Suíça, ficção cearense 'Com os Punhos Cerrados' antevê protestos

Se um diretor fosse rodar um filme sobre os bastidores dos protestos no Brasil em 2013, o resultado não seria distante do trabalho "Com os Punhos Cerrados".

O longa-metragem de Pedro Diógenes, Luiz Pretti e Ricardo Pretti teve estreia mundial no domingo (10), no Festival de Locarno, numa seção voltada a produções experimentais.

Os paralelos com o "caldo" retórico e de imagens formado durante as manifestações são claros, ainda que as filmagens tenham acontecido meses antes.

O discurso anticapitalista, de contornos anarquistas bradado por alguns partidos e grupos organizados nas ruas, por exemplo, está na tela.

Divulgação
Cena de 'Com os Punhos Cerrados', de Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti
Cena de 'Com os Punhos Cerrados', de Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti

Idem para a busca por canais alternativos de comunicação -com a diferença de que, na ficção, as intervenções da rádio pirata mantida por um trio de ativistas em Fortaleza substituem as transmissões reais via redes sociais do grupo Mídia Ninja.

Já os rostos cobertos dos protagonistas quando vão a campo remetem, é claro, aos black blocs –ainda que o grupo do filme não recorra ao vandalismo.

"É um erro associar anarquia a violência. Mas quando, numa manifestação, vê-se aquela fila de policiais com trajes de guerra, já não há escapatória. A violência está posta", diz Diógenes.

Ele e os colegas de direção, que integram o coletivo de cineastas Alumbramento, também encarnam a trinca de militantes.

O cotidiano da confraria será alterado pela chegada de uma femme fatale enviada por um barão ultrarreacionário da cena de forró local, que pede a cabeça deles.

Para Luiz, "Punhos" está mais para "lúdico e simbólico" do que para "manifesto propagandista". "O que o filme pode ter de interessante é fazer as pessoas voltarem a pensar com mais calma no que falam. É muito fácil os discursos se perderem."

Em seu quarto longa, a equipe de "Estrada para Ythaca" (este em parceria com Guto Parente) volta a convocar referências eruditas, à la Julio Bressane.

O repertório, que já incluía o poeta greco-egípcio Konstantinos Kaváfis e o cineasta francês Eric Rohmer, ganha agora citações do poeta e teatrólogo francês Antonin Artaud (1896-1948).

"Uma questão importante em todos os nossos filmes é a de como o artista se coloca diante da realidade. Ele tem de se implicar, tem de se sujar junto", avalia Ricardo.

PREMIAÇÃO

O filme "Aspirantes", de Ives Rosenfeld, venceu na segunda (11) à noite a Carte Blanche Brasil, seção de Locarno em que sete longas nacionais em pós-produção foram vistos por programadores de outros festivais e agentes de vendas estrangeiros.

O júri saudou "a originalidade e a identidade artística, a dinâmica entre os personagens, assim como a elegância" na realização de um filme que retrata o Brasil atual.

A produção, que acompanha um time de futebol júnior, receberá cerca de R$ 25 mil para sua finalização.

O jornalista está hospedado em Locarno a convite da organização do festival


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