Folha de S. Paulo


Crítica: Chopin é o ponto alto no recital do pianista Nelson Freire

O andar incerto de Nelson Freire faz parecer longa a distância até o piano, e é como se, por alguns segundos, ele duvidasse da possibilidade de fazer a música que tem de ser feita.

Foi assim na terça-feira, na Sala São Paulo lotada para a abertura da temporada Cultura Artística 2014. Em recital solo, ele tocou Beethoven (1770-1827), Debussy (1862-1918), Rachmaninov (1873-1943) e Chopin (1810-49).

Beethoven tomou conta da primeira parte, na qual imperou a forma tema com variações, com o avulso "Andante Favori" e o último movimento da derradeira sonata, a op.111 —um conjunto de variações que lutam para não terminar, mesmo sabendo que a luta está perdida.

Izilda França/Divulgação
Nelson Freire se apresenta na Sala São Paulo para abertura da temporada Cultura Artística 2014
Nelson Freire se apresenta na Sala São Paulo para abertura da temporada Cultura Artística 2014

A arte solar de Nelson Freire tende a unir as frases sonoras em um arco que perpassa as partes e submete a identidade dos fragmentos. Sua placidez mineira lembra Milton Nascimento.

Debussy, depois do intervalo, foi pura mágica, e as notas iniciais do prelúdio "Les Collines d'Anacapri" pareciam ainda ecoar, quatro peças depois, no final do "Prelúdio op.32 nº 12" de Rachmaninov.

Mas Chopin foi o ponto culminante. A "Balada nº 4" parece querer dizer algo simples, mas a repetição obsessiva confere peso e densidade, com figuras secundárias tornando-se pouco a pouco complexas e independentes.

Como imaginar sua intimidade com essa obra cuja primeira gravação fez em 1957, aos 12 anos? Para Nelson, a peça talvez seja mais real do que muitas pessoas e objetos.

Pode não ter tido a transcendência do recital de 2011 no Theatro Municipal; na fase em que está, porém, Nelson Freire só pode ser comparado consigo mesmo.

NELSON FREIRE
AVALIAÇÃO ótimo


Endereço da página: