Folha de S. Paulo


Alan Moore e Malcolm McLaren fazem retrato distópico da moda em HQ

Em 1985, o quadrinista Alan Moore foi convidado por Malcolm McLaren (1946-2010), criador da banda Sex Pistols e um dos idealizadores do punk, a formar uma parceria para escrever o roteiro de um filme. O projeto nunca chegou ao cinema, mas o texto, que usa um tom distópico para retratar a indústria da moda, é a base da HQ "Fashion Beast", publicada no Brasil pela editora Panini.

Na história, Doll se veste como uma drag queen e tem uma vida mundana até ser demitida. Após tentar a sorte como modelo —como muitos outros jovens, que fazem fila para o teste—, acaba se tornando o rosto da Celestine, uma das grifes mais influentes do mundo. Em seu novo trabalho, conhece Jonathan, rapaz responsável por arrumar as modelos da marca e que tem suas próprias noções de moda.

Em entrevista ao jornal britânico "The Guardian", Moore define o casal de protagonistas como uma "uma garota que parece um garoto que parece uma garota" e vice-versa, uma sugestão de McLaren.

Os dois habitam uma cidade e uma época intencionalmente indefinidas. O pouco que se pode perceber é que uma guerra está em andamento, sempre às margens do eixo da trama, como um personagem secundário, e que um inverno nuclear é iminente.

Mesmo com tamanhas ameaças, a sociedade decadente retratada pelos autores gira em torno da moda e de sua influência, buscando manter as aparências de alguma forma. "A cidade sabe as horas por nós, assim como sabe a estação do ano pela barra das nossas saias", diz uma funcionária da grife no começo da história.

Divulgação
A personagem Doll desfila com um vestido desenhado por Jonathan, na HQ 'Fashion Beast
A personagem Doll desfila com um vestido desenhado por Jonathan, na HQ 'Fashion Beast'

De maneira sombria e desiludida —característica da obra de Moore—, a HQ discute se é a indústria quem dita as tendências ou se elas não passam de um reflexo da sociedade.

"O estranho é que em 1985, na realidade, ninguém enxergava o mundo da moda sob essa ótica. De lá para cá, a moda e o fascismo se aproximaram: temos John Galliano fazendo seus comerciais do Terceiro Reich, temos Alexander McQueen se matando, temos Versace e aquele perseguidor horrível e violento que o matou", afirma o quadrinista na entrevista.

"A sociedade real em que a história aconteceu é muito mais semelhante à sociedade que temos hoje que com a cultura do jeito como era em 1985."

No longo texto de introdução à obra, ele conta que McLaren ofereceu três ideias em seu encontro para discutir a parceria. "Apesar de eu não ter tido, é óbvio, nenhum interesse prévio na indústria da moda e sua mitologia, percebi de imediato as conexões narrativas e alusões possibilitadas por uma história assim", escreve o quadrinista, que já usou super-heróis para debater imperialismo e Guerra Fria, em "Watchmen", e criou a máscara de Guy Fawkes utilizada em manifestações ao redor mundo, em "V de Vingança".

"Acho que Malcolm, talvez por causa de sua própria experiência no ramo de vestuário, ficou contente por ser justamente essa a proposta que mais me despertou entusiasmo."

Antes de se tornar o empresário dos Sex Pistols, função que ocupou de 1975 a 1977, McLaren fundou a loja de roupas Let It Rock, em Londres, com a estilista Vivienne Westwood, com quem era casado.

Em 1985, ele virou sua atenção para o cinema. Considerando que um criador de quadrinhos pudesse acrescentar novidades a um roteiro, decidiu convidar Moore para o projeto de um filme, que nunca chegou a ser realizado.

"Eu já tinha esquecido completamente tudo que tinha alguma relação com 'Fashion Beast'. Foi como ler algo escrito por outra pessoa. Fiquei bem impressionado comigo mesmo", diz o quadrinista ao "The Guardian".

A adaptação foi publicada nos EUA em 2013, com texto de Antony Johnston, que já havia levado diversas histórias de terror de Moore para os quadrinhos, e ilustrações de Facundo Percio. No Brasil, as dez edições americanas são unificadas em um único volume.

FASHION BEAST
AUTOR Alan Moore e Malcolm McLaren, Antony Johnston (adaptação) e Facundo Percio (ilustrações)
EDITORA Panini
QUANTO R$ 29,90 (276 págs.)


Endereço da página: