Folha de S. Paulo


Explosão em set de filme sobre guerra Irã-Iraque mata 5 em Teerã

Uma explosão numa cidade cinematográfica dedicada a filmes sobre a guerra Irã-Iraque deixou ao menos cinco mortos nos arredores de Teerã, capital iraniana.

O incidente ocorreu nesta quarta (8/1), quando uma equipe de produção manejava explosivos de tipo TNT que seriam usados numa cena de batalha campal, segundo jornais locais.
Entre as vítimas estão o diretor de efeitos especiais, Javad Sharifi Rad, e o diretor-adjunto das filmagens, Ali Akbar Rabjbar.

O filme é dirigido por Masoud Dehnamaki, responsável pelos maiores recordes de bilheteria na história do cinema iraniano, mas também conhecido pelas posições políticas próximas às da ala linha dura do regime.

A filmagem havia sido iniciada em setembro, e o longa, batizado "Os Ascendentes", tinha estreia prevista para o próximo mês no Festival Fajr, o mais importante do país.

Segundo Abbas Shoqi, do sindicato dos profissionais de efeitos especiais no cinema, a tragédia ocorreu porque autoridades locais proíbem a importação de material especializado para a encenação de explosões em filmagens.

O veto obriga equipes de efeitos especiais a usar explosivos militares, perigosos e cujo manuseio exige, em tese, conhecimento bélico.

"Já manifestamos reiteradas vezes nossas objeções à proibição de importar substâncias especializadas para filmes. Mas nossas palavras não foram ouvidas", criticou Shoqi, em entrevista à agência de notícias Isna.

O incidente ocorreu na Cidade Cinematográfica da Sagrada Defesa, situada num deserto 35 km ao sul de Teerã, à margem da estrada que leva ao aeroporto internacional Imã Khomeini.

O local é usado como estúdio a céu aberto destinado à filmagem de ficções sobre o conflito deflagrado em 1980 com a invasão do Irã pelas tropas do então ditador iraquiano Saddam Hussein. O ataque foi apoiado pelas potências ocidentais em nome da luta contra o regime revolucionário iraniano, surgido um ano antes sob comando do aiatolá Ruhollah Khomeini.

A guerra se arrastou durante oito anos, arruinou os dois países e deixou mais de um milhão de mortos, a maioria iranianos dizimados em condições pavorosas, inclusive em ataques de armas químicas em larga escala.

PROPAGANDA OFICIAL

A propaganda oficial iraniana martela até hoje a ideia de que o Irã sobreviveu praticamente sozinho à opressão e injustiça de inimigos muito mais poderosos. A mensagem acoplada a esse discurso alega que o Ocidente continua mal intencionado e, por isso, nunca deve merecer confiança.

O esforço para perpetuar a memória da "guerra imposta" inclui a construção de vários museus dedicados ao tema, pinturas com rostos de mártires espalhados em murais das grandes cidades e manuais escolares repletos de relatos de batalha épicas.

Outro pilar da propaganda relacionada à guerra é o cinema, já que os iranianos são grandes consumidores de filmes nacionais.

Já no decorrer do conflito, o governo passou a oferecer fartos financiamentos para incentivar a produção de longas capazes de atiçar valores islâmicos e patrióticos ou que mostrem a crueldade dos inimigos do Irã.

"De todos os gêneros de filmes no Irã, os de guerra foram os mais consistentes canais de propaganda do governo dentro da produção cultural, orientando ideologicamente a população na direção ditada pelo regime", escreveu a pesquisadora brasileira de cinema Alessandra Meleiro no livro "O Novo Cinema Iraniano: Arte e Intervenção Social" (Escrituras, 2006).

"Os filmes de guerra foram importantes não pela sua qualidade, mas porque serviam de instrumento de controle social e para ampliar o apoio ao islã. A mensagem repetida na mídia era: 'Nós não estamos lutando com o Iraque, estamos lutando com os inimigos da revolução.'", afirma Meleiro.

Meleiro lembra que o Exército iraniano colocou seus homens e tanques à disposição das filmagens na cidade cinematográfica.

O ritmo das filmagens sobre guerra vem diminuindo, mas a cidade cinematográfica continua funcionando.

As obras, destinadas quase exclusivamente ao público doméstico, são divulgadas tanto nas salas de cinema como na TV estatal, que ocasionalmente produz seus próprios filmes. Também há fartura de documentários sobre o tema.

O maior sucesso comercial na história do cinema iraniano é uma trilogia chamada "Os párias", dirigida por Dehnamaki.

Os filmes narram, entre outras historias, a trajetória de jovens desamparados que encontram sentido na vida ao se alistarem no Exército iraniano para lutar contra o Iraque.

O último dos três filmes foi lançado em 2011, ao mesmo tempo que o aclamado "A Separação", de Asghar Farhadi, vencedor de vários prêmios intermacionais, inclusive o Oscar. Dehnamak não escondeu sua contrariedade por ter recebido menos atenção da mídia que "A Separação."


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