Folha de S. Paulo


Crítica: Moldura kitsch compromete obra de romancista suíço Pascal Mercier

O suíço Pascal Mercier é um romancista atento ao mal-estar na civilização e às delícias da cultura sofisticada. Mas sua propensão para o kitsch (esse estilista que veste qualquer demônio com uma túnica de falso bom gosto) acaba enfraquecendo e banalizando capítulos inteiros de "A Partitura do Adeus".

Pascal Mercier é o pseudônimo literário do filósofo Peter Bieri, cujas investigações teóricas privilegiam a filosofia da mente, a epistemologia e a ética.

Está ocorrendo com Bieri-Mercier o mesmo que ocorreu com Umberto Eco, ao lançar "O Nome da Rosa" em 1980. Graças à ficção, ambos passaram a ser amplamente lidos fora do círculo acadêmico.

Mercier chamou a atenção da República Mundial das Letras com seu terceiro romance: "Trem Noturno para Lisboa" (2004), cuja versão para o cinema, dirigida por Bille August, já está em cartaz.

Trata-se de um suspense filosófico-psicanalítico que, segundo os editores, já vendeu mais de dois milhões de exemplares e foi traduzido para mais de 15 idiomas.

Nessa narrativa, um professor de grego e latim, morador de Berna, impede que uma mulher misteriosa se jogue de uma ponte.

A suicida frustrada abre as portas da língua portuguesa para o professor, que, fascinado com a musicalidade do estranho idioma, abandona tudo e viaja a Lisboa.

No centro do livro há outro livro: uma coletânea de reflexões filosóficas escrita por um médico português já morto, pelo qual o professor está obcecado.

NEUROSES

Em "A Partitura do Adeus", lançado em 2007, dois médicos suíços se conhecem num café da Provença, na França, e decidem viajar juntos de volta a Berna.

O narrador-testemunha, Herzog, passa a viagem ouvindo o relato de seu companheiro, Van Vliet, sobre a filha problemática.

A história dentro da história é a respeito de uma jovem exímia violinista com sérios transtornos emocionais.

Também é sobre música erudita, xadrez, filosofia e psicanálise. E principalmente sobre o amor incondicional de um pai que pôs em risco a própria carreira para tentar manter um fiapo de conexão com a filha.

Nesse romance e no anterior, kitsch não é o drama humano retratado, mas a moldura de referências "sofisticadas" em que está inserido.

São as muitas locações refinadas, as filigranas mais ou menos convencionais da música erudita, da filosofia, do xadrez etc., tudo isso levado sempre a sério, sem uma gota de ironia.

Pena que os personagens problemáticos de Pascal Mercier ainda não perceberam que suas neuroses são fruto justamente desse excesso de civilização ilustrada. Algo que já sabemos desde "O Lobo da Estepe" (1927), do alemão Hermann Hesse.

LUIZ BRAS é autor de "Sozinho no Deserto Extremo" (Prumo).

A PARTITURA DO ADEUS
AUTOR Pascal Mercier
TRADUÇÃO Claudia Abeling
EDITORA Record
QUANTO R$ 30 (182 págs)


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