Folha de S. Paulo


Reedição de prosa de Elizabeth Bishop será acrescida de inéditos

No Brasil, a vida tumultuada de Elizabeth Bishop é tão mais comentada que sua obra que, até o ano passado, alguém poderia vasculhar sua intimidade nas formas de biografia, romance e peça, mas não desfrutar seus textos, havia anos fora de catálogo.

O descompasso entre essas pontas foi atenuado com "Poemas Escolhidos" (Companhia das Letras, 2012), incluindo inéditos e reeditados na tradução de Paulo Henriques Britto, e ficará mais bem remediado no início de 2014, quando sua prosa, também acrescida de inéditos, voltará a figurar nas lojas do país.

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A edição que Britto acaba de entregar à casa paulistana se baseia nos textos de "Prose" (2011), lançado nos EUA pelo poeta Lloyd Schwartz.

Um ponto alto é uma reportagem de 1958, feita para a "New Yorker" e nunca publicada pela revista, a partir da visita com o escritor Aldous Huxley a uma Brasília em construção e à Amazônia. O texto veio à tona em 2006, mas ainda não saiu em português.

O livro terá ainda contos, cartas e um trecho de "Brazil", que a Time-Life lançou nos anos 1960 com alterações odiadas pela poeta --Lloyd resgatou o original, bem mais ácido (à moda Bishop) do que aquele que ficou conhecido.

Embora nunca tenha lhe faltado admiração no meio literário, Bishop não viveu para testemunhar o reconhecimento amplo do público. "Ela ficaria horrorizada se soubesse que essa recepção foi favorecida pelo olhar para a questão da mulher e da homossexualidade", diz Britto.

Lloyd Schwartz lembra ocasião em que, após se recusar a integrar antologia de poetas mulheres, Bishop ouviu que isso lhe angariaria leitores, ao que retrucou: "Bem, vou ter de me conformar com os leitores que tenho".

"Ela via como ironia o movimento feminista, embora se dissesse feminista. Não queria ser vista como poeta mulher, mas como poeta."

Para Schwartz, a grandeza da produção de Bishop está na capacidade de "ver o mundo com telescópio e microscópio ao mesmo tempo".

"Ela tem um jeito de conversar com o leitor, como se pensasse alto. Um modo de falar 'é assim; quer dizer, não, não é bem isso'", diz ele.

GUINADA

Essa guinada de opiniões no corpo dos poemas foi algo que Eliana Ávila, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, estudou. "Bishop desafiou os próprios valores nos textos", diz Ávila.

Um exemplo está em "Manuelzinho", poema sobre um meeiro. "A narradora se irrita por ele não querer melhorar de vida. Aos poucos, de forma implícita, faz com que seja impossível diminuí-lo."

As tensões culturais expostas no poema terminam em condescendência: "Seu tonto, seu incapaz,/ gosto de você demais,/ eu acho. Mas isso é gostar?/ Tiro o chapéu --metafórico/ e sem tinta-- pra você./ De novo, prometo tentar."


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