Folha de S. Paulo


Depoimento: 'Minha infância e adolescência foram balizadas pela Casa do Povo'

"Nasci e me criei no Bom Retiro, bairro central da cidade de São Paulo, onde meus avós maternos chegaram, diretamente da Polônia, nos anos 1920, fugindo das perseguições aos judeus e da vida dura na Europa do período entreguerras.

Meu mundo ia da rua Bandeirantes ao Jardim da Luz, onde brincava e pegava girinos nos laguinhos existentes na época; e da rua Afonso Pena até a esquina da rua Silva Pinto com a da Graça. Nesse quadrilátero de aproximadamente dez ruas vivíamos entre judeus e poucos brasileiros. Aos meus olhos de menino, o Bom Retiro era o mundo todo.

Centro cultural no Bom Retiro, Casa do Povo, 60, volta à cena cultural

Minha família era ligada a um setor progressista laico da comunidade, que aos poucos foi se estabelecendo no bairro, co-dirigindo o ICIB, Instituto Cultural Israelita Brasileiro, e sua filiada, a escola Scholem Aleichem.

Eduardo Knapp/Folhapress
Fachada do Instituto Cultural Israelita Brasileiro (Casa do Povo), no centro de São Paulo
Fachada do Instituto Cultural Israelita Brasileiro (Casa do Povo), no centro de São Paulo

Ambos ocupavam um prédio na rua Três Rios e eram redutos importantes do pensamento de esquerda.

Ao contrário dos mais sectários, nos sentíamos amalgamados à cultura brasileira e, seguindo uma vocação secular dos judeus progressistas, queríamos nos integrar ao lugar que havíamos escolhido. Ser brasileiro era um sentimento genuíno.

O ICIB, também conhecido como Casa do Povo, em uma clara alusão ao jargão socialista de seus congêneres soviéticos, era muito atuante em São Paulo, extrapolava os limites do bairro e foi um foco importante de resistência à ditadura no final dos anos 1960 e princípio dos 1970.

Minha infância e minha adolescência foram balizadas pelo instituto.

Meus pais, meus tios e todos os agregados da família eram muito ativos na Casa do Povo. Foi na escola Scholem Aleichem que estudei até os dez anos. Adolescente, fiz minha primeira exposição de fotografia no prédio.

Fiquei muito tempo sem ir ao bairro. Voltei para fazer as fotos mais recentes da exposição "Bom Retiro e Luz: Um Roteiro, 1976 - 2011" e me deu uma tristeza danada.

O prédio da rua Três Rios só não tinha virado escombro por esforço de alguns antigos fundadores voluntários que ainda vivem no bairro.

Eu já vi algumas tentativas de reerguimento da Casa do Povo. A atual parece a mais consistente."

BOB WOLFENSON, 59, é fotógrafo e morador do Pacaembu


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