Folha de S. Paulo


Crítica: Obra de João Antônio é inestimável para entender a boemia

João Antônio (1937-1996) embalado para grã-fino, de capa dura que merduncho nenhum jamais vai ler?

É inevitável imaginar o que pensaria o autor de "Malagueta, Perus e Bacanaço" (1963) ao sopesar a edição de seus "Contos Reunidos".

Obcecado pelas palavras, provavelmente não queimaria muita cachola acerca da plasticidade do invólucro, pois, autocrítico como era, "tanto com o estilo como com os sentimentos", aborrecia-se ao reler os próprios textos.

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O paulista João Antônio, cujos contos foram compilados
O paulista João Antônio, cujos contos foram compilados

Em um dos inéditos compilados no livro (que inicialmente faria parte de "Abraçado ao Meu Rancor"), o escritor paulista afirma que "não é qualquer texto de nossa lavra que nos enche os olhos ou o coração [...] Um miligrama de ternura é só um miligrama. Não é nenhuma fonte".

Seja como for, a reunião da obra ficcional de João Antônio é feito inestimável para resgatar e compreender malandros e demais românticos de certa boemia pertencente ao passado de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, cenários da maioria dos contos do autor.

O livro é enriquecido pelo excelente perfil biobibliográfico assinado por Rodrigo Lacerda (responsável pelo resgate de João Antônio em sua passagem pela Cosac Naify como editor, na década passada), além de fortuna crítica a reunir artigos de Antonio Candido, Tânia Macedo, Jorge Amado, Paulo Rónai e Alfredo Bosi.

LÍNGUA DESBASTADA

Criador de uma "língua geral" (no dizer de Candido) de rica estilização do dialeto urbano da marginália do período, João Antônio radicalizou sua pesquisa filológica de "bas-fond", tornando mais rarefeitos a cada livro seus enredos autobiográficos.

Em prol do ritmo da frase curta, enviesando pela crônica, siderou-se por uma língua a ser desbastada, em vez de enriquecida.

Tamanho excesso, entretanto, permitiu a seus sucedâneos escreverem atualmente num registro mais próximo ao português falado no Brasil.

Lacerda, em sua apresentação, reflete sobre o anseio não realizado de João Antônio de construir uma "saga", expressado em carta de 1965 a Ilka Brunhilde Laurito.

Conclui que a estrutura mais complexa do romance deveria ter sido o passo adiante a ser dado.

Na carta, porém, João Antônio alega que "no romance, ou antes, num romance, não cabe fazer o que pretendo". Talvez o espasmo fosse a forma possível para ele, justamente o caráter episódico representado neste "Contos Reunidos".

JOCA REINERS TERRON é autor de "Do Fundo do Poço se Vê a Lua" (Companhia das Letras), entre outros.

CONTOS REUNIDOS
AUTOR João Antônio
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 99 (608 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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