Folha de S. Paulo


Filme de Kurosawa fala sobre disputa pelo poder no Japão do século 16

Como "Dodeskaden" (1970) e "Dersu Uzala" (1975), os filmes anteriores de Akira Kurosawa, "Kagemusha - A Sombra do Samurai" teve produção difícil. Apesar de sua importância para a história do cinema mundial, Kurosawa ouviu negativas de diversas produtoras japonesas, o que explica a terrível decadência que a cinematografia do país enfrentou desde o final dos anos 1960.

Somente quando foi aos EUA, onde encontrou George Lucas e Francis Ford Coppola, admiradores de seu trabalho, a produção do filme tornou-se uma realidade. Os dois jovens diretores da Nova Hollywood conseguiram um adiantamento da Fox em troca dos direitos de distribuição internacional, o que incentivou a Toho, produtora japonesa que já havia realizado filmes de Kurosawa, a entrar de vez no projeto, cobrindo os custos restantes. Nasce, assim, um monumento inesquecível de três horas sobre a disputa pelo poder entre três senhores feudais no Japão do século 16.

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guialivros82 -- -- Kagemusha de akira kurosawa
Cena do filme "Kagemusha - A Sombra do Samurai", de Akira Kurosawa

O senhor Shingen comanda o clã dos Takeda com firmeza, determinação e uma boa dose de violência. Sua presença, "imóvel como uma montanha", diz o estandarte dos Takeda, garante a força que seus comandados precisam nas batalhas. Mas ele é ferido gravemente, num momento de lazer e descuido. Sua morte iminente enfraqueceria o clã, deixando-o vulnerável às ambições de seus maiores inimigos, os senhores Ieyasu e Nobunaga. A solução é usar um sósia no lugar de Shingen, escondendo a morte até mesmo de seus comandados. O sósia seria um ladrão condenado à crucificação (sim, tempos feudais).

Aos poucos, o que é bem típico de Kurosawa, percebemos que o sósia não apenas imita, mas acredita ser o próprio senhor Shingen. Essa crença, que muitas vezes se assemelha mais a uma possessão, será um agravante na crise que se instalou na nação, cada vez mais dividida.

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O grande historiador de cinema Donald Richie contesta a escalação de vários atores, inclusive a de Tatsuya Nakadai no papel duplo do Senhor Shingen e do sósia. Com todo o respeito a Richie, é difícil enxergar as deficiências que ele aponta no grande ator, que já havia trabalhado com Kurosawa, mas nunca como protagonista. Tatsuya Nakadai é excessivamente teatral, segundo Richie, mas é impossível imaginar um outro ator no papel. Bem, talvez Toshiro Mifune, mas Kurosawa tinha brigado com ele durante as filmagens de "O Barba Ruiva" (1965), e se recusava a contratá-lo novamente.

As atuações combinam com a opulência que marca "Kagemusha", um dos longas mais controlados e estruturados do mestre. O uso das cores mostra sua habilidade pictórica. Céus vermelhos ou incrivelmente alaranjados temperam as cenas de batalha. Em uma cena de pesadelo, o sósia se perde num cenário fauvista que lembra as telas mais berrantes de André Derain. Nas batalhas, aliás, reside uma boa dose de mistério, em que ora o inimigo é ocultado, ora a própria ação.

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A versão lançada agora em DVD é a japonesa, integral, não a que a Fox remontou, com a aprovação de Kurosawa, para a distribuição internacional, com 17 minutos a menos. O relativo sucesso mundial de "Kagemusha" recuperou o diretor diante da indústria japonesa e possibilitou a produção de "Ran", mais uma obra-prima, cinco anos depois.


KAGEMUSHA - A SOMBRA DO SAMURAI
DIRETOR: Akira Kurosawa
DISTRIBUIDORA: Versátil
QUANTO: R$ 49,90
AVALIAÇÃO: ótimo


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