15/04/2005
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09h27
M�dica dos EUA denuncia fraude em publica��o cient�fica
SALVADOR NOGUEIRAda
Folha de S.Paulo� pr�tica comum companhias farmac�uticas recrutarem pesquisadores supostamente imparciais para assinar estudos que eles n�o realizaram, com o objetivo de ocultar interesses por tr�s dessas publica��es. Agora, algu�m resolveu denunciar um caso e abrir a quest�o ao debate p�blico.
Adriane Fugh-Berman � m�dica e pesquisadora na Universidade Georgetown, em Washington, nos EUA. Em meados do ano passado, ela foi contatada por uma empresa de comunica��o m�dica vinculada a uma companhia farmac�utica, com uma proposta.
A dita companhia prop�s que ela assinasse um artigo de revis�o (tipo de estudo mais importante nas ci�ncias m�dicas, pois re�ne resultados de diversas pesquisas paralelas e faz um balan�o de tudo que foi investigado sobre o tema). O assunto era a intera��o de ervas com warfarin, um famoso anticoagulante com uma longa hist�ria nos EUA, �nico de uso oral aprovado pela FDA (ag�ncia que regula f�rmacos no pa�s).
InteresseA proposta, feita por e-mail, dizia explicitamente que o estudo havia sido financiado por uma certa companhia farmac�utica, que n�o tinha nenhuma droga no mercado concorrente do warfarin, nem nenhum produto derivado de ervas. Intrigada, Fugh-Berman pediu mais informa��es.
Poucos meses depois, em 24 de agosto, ela voltou a ser contatada. A empresa de comunica��o havia enviado um rascunho do estudo, j� assinado por ela, para que ela fizesse as modifica��es que achasse necess�rias, de prefer�ncia at� o dia 1� de setembro.
Sobre o interesse da farmac�utica pelo estudo, a empresa de comunica��o disse a Fugh-Berman: "Embora n�o haja promo��o de nenhuma droga nesse estudo, a companhia quer preparar o palco para novos anticoagulantes que n�o est�o sujeitos �s numerosas limita��es do warfarin".
A pesquisadora da Georgetown n�o aceitou ceder seu nome para a publica��o da pesquisa. E a hist�ria teria provavelmente morrido a�, n�o fosse uma coincid�ncia.
Outro cientista mais permissivo foi encontrado pela empresa para assinar o estudo. O trabalho, ent�o, foi submetido para publica��o no
"Journal of General Internal Medicine", revista cient�fica americana com "peer-review", sistema em que outros cientistas, independentes, s�o chamados a avaliar o conte�do dos trabalhos antes da publica��o.
"Por coincid�ncia, eu fui chamada a avaliar esse artigo, uma vers�o revisada, mas reconhec�vel, do manuscrito que antes havia sido enviado a mim", escreve Fugh-Berman, num artigo que saiu ontem nessa mesma revista.
"Ao saber de suas estranhas origens, os editores do "Journal" rejeitaram o trabalho e incentivaram uma discuss�o internacional sobre "ghostwriting" por empresas de comunica��o entre os membros da Associa��o Mundial de Editores M�dicos, alertando-os para o fato de que estudos submetidos podem n�o reconhecer apropriadamente financiamento de corpora��es e/ou co-autoria."
No artigo publicado, os editores do "Journal of General Internal Medicine" alteraram o manuscrito de Fugh-Berman, com autoriza��o dela, para omitir os nomes das companhias envolvidas no caso, supostamente porque seu objetivo n�o era fazer uma den�ncia mas sim abrir um debate.
Nomes aos boisEm entrevista �
Folha, a pesquisadora de Georgetown revelou os nomes. A empresa de comunica��o m�dica era a Mx Communications, e a companhia farmac�utica era a AstraZeneca. Ambas t�m sede no Reino Unido.
Fugh-Berman considera o problema s�rio. Ao encerrar seu artigo, diz: "Duvido que eu seja convidada novamente para ser uma autora de mentirinha, mas certamente h� outros m�dicos que estariam dispostos a propagandear essas engana��es".
No fim, o novo anticoagulante da AstraZeneca ganhou aprova��o para alguns casos na Fran�a, mas foi vetado para uso nos EUA.
Embora tenha ocultado os protagonistas do caso, o "Journal of General Internal Medicine" entrou de sola na quest�o. Afinal de contas, a estrat�gia usada pelas farmac�uticas solapa a confiabilidade que se pode ter em resultados, mesmo quando publicados por revistas com "peer-review".
Usando um pesquisador "imparcial e independente" como autor, as empresas evitam a obrigatoriedade imposta por muitas publica��es cient�ficas de declarar interesses financeiros ligados � pesquisa. Peri�dicos que se consideram s�rios n�o podem gostar disso. O "Journal of General Internal Medicine" n�o gostou.
"Nesta edi��o, Fugh-Berman descreve um caso grosseiro de comportamento anti�tico por um autor, um fabricante farmac�utico e uma companhia de educa��o m�dica", afirma o editorial da revista.
Em resposta ao caso, o "JGIM" decidiu enrijecer sua pol�tica editorial, especificando que qualquer pessoa ou companhia que teve influ�ncia no texto ou no conte�do de um artigo deve ser identificada.
E a Associa��o Mundial de Editores M�dicos ampliou seu foco para cobrar n�o s� a responsabilidade dos autores, mas as dos que encomendam esses artigos e as empresas que os redigem e arregimentam os "ghostwriters".
Outro lado Contatada pela
Folha, a AstraZeneca negou as acusa��es. "Esse manuscrito n�o � um exemplo de "ghostwriting'", disse Steve Brown, porta-voz da companhia.
"O autor concordou em liderar uma revis�o com base em sua experi�ncia cl�nica, publica��es anteriores e a cren�a de que uma discuss�o ampla ampliaria a seguran�a da terapia com warfarin."
A AstraZeneca tamb�m soltou comunicado oficial: "A maioria das companhias farmac�uticas, incluindo a AstraZeneca, usa escritores profissionais para auxiliar no desenvolvimento de manuscritos. A AstraZeneca est� empenhada em assumir o desenvolvimento de publica��es de forma �tica e respons�vel e cr� que autores creditados devem estar envolvidos desde o in�cio, devem oferecer contribui��es substanciais � concep��o, aquisi��o ou interpreta��o dos dados e reter responsabilidade pelo artigo."
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