Folha de S. Paulo


'Polêmica faz parte, só não duvidem do meu caráter', diz Jô

Jô sabe o que é ser campeão brasileiro pelo Corinthians. Fez parte do elenco que conquistou o título de 2005. Aos 18, era coadjuvante em um time que era uma colcha de retalhos e tinha Tevez, Mascherano, Carlos Alberto e Roger.

Agora é diferente. Contratado sob desconfiança no final do ano passado, o centroavante é o principal nome ofensivo da equipe em 2017.

À Folha, afirma viver a melhor temporada da sua carreira, à exceção de apenas um momento: o gol com o braço marcado contra o Vasco.

"O que me chateou foi terem colocado meu caráter em dúvida", afirma, espantado com a reação.

*

Folha - Se você for campeão agora com o Corinthians, será melhor do que foi em 2005?

Jô - Se for concretizado, vai ser melhor. Tenho jogado a maior parte dos jogos e conquistado as coisas que pensei no começo do ano. Vai ser melhor também pelo ambiente, que é mais leve, os jogadores são mais tranquilos. Aquele grupo de 2005 era bom, mas tinha alguns problemas...

Tinha muita cobrança criada naquele time de 2005.

Esse aqui é mais tranquilo de levar. E por tudo o que aconteceu neste ano comigo, com o clube, sem dúvida vai ser muito importante.

Você imaginava tudo isso?

Claro que a gente confia no próprio potencial. Confiei em mim e sabia que alguns detalhes que eu deixava escapar, problemas extracampo que não fazem mais parte da minha vida, não existiam mais. Sabia que ia voltar a jogar em alto nível.

Mas dá prazer dar esse tipo de resposta a quem duvidou da sua contratação?

Isso é inevitável. Você se sente orgulhoso por corresponder às expectativas que colocaram em cima de você. Voltei porque as pessoas sabiam do meu potencial, sabiam o que eu já tinha mostrado. Talvez a dúvida era de como eu voltaria. Acho que voltei melhor do que antes. Estou mais leve para correr. Se no passado eu tivesse a mesma cabeça [que tem hoje], as coisas seriam diferentes.

Em que momento da temporada você percebeu que tinha tudo para dar certo?

Foi contra a Ponte Preta [na primeira final do Paulista]. A gente percebeu que se mantivesse aquele espírito até o final do ano, não só ganharia o Paulista como iria longe no Brasileiro. Ali a gente viu que o time estava consolidado, a gente se impôs. Se fosse assim, colheria bons frutos. Oscilamos, claro, porque todos os seres humanos têm erros e seria muito difícil manter o mesmo ritmo do primeiro turno, mas a a situação em que estamos hoje é merecida.

Esse estilo do Corinthians é de Libertadores?

As equipes do Corinthians sempre foram assim. Não me recordo de um time que dava show, a não ser 1998, que tinha grandes jogadores ou 2000, quando foi campeão mundial. As outras equipes do Corinthians sempre foram aguerridas. O torcedor gosta do jogador que corre, que se dedica, tem vontade, dá carrinho. O time deste ano está com a cara do Corinthians.

Você estará aqui na Libertadores do no ano que vem?

É a minha maior vontade. Tenho o maior prazer e quero jogar. Mas a gente está na realidade do futebol. Todo jogador que estiver se destacando terá outras ofertas. Para mim, por enquanto não tem nada. Até o final do ano a gente aguarda para ver o que vai acontecer. O meu desejo é jogar mais um ano, ser campeão da Libertadores.

Que balanço você faz hoje, de cabeça fria, do episódio do gol de mão contra o Vasco? Principalmente do que foi dito sobre você por causa disso.

O que me arrependo foi de não ter tido a frieza para analisar o gol naquele momento que saí do estádio e ter falado. No momento, não tive a percepção se a bola bateu no braço ou no ombro, mas se eu tivesse visto no vestiário, analisado e dito "bateu na mão mesmo, vou falar logo de cara"... Esse foi meu arrependimento. Eu deixei gerar aquela polêmica toda. O que me deixou triste foi duvidarem do meu caráter. Isso me deixou chateado. Se foi com a mão, se não foi, se falei na hora, se falei depois, isso uma hora ia acontecer. Mas duvidar do meu caráter no dia a dia, dizer que sou uma pessoa que se esconde atrás da religião, isso deixou chateado a mim, minha família, meus pais, quem convive comigo no clube. Foi pesado.

As pessoas reagem de modo muito apaixonado.

Exatamente. Todos nós temos família, pais, filhos... A polêmica se foi com a mão, se não foi, isso vai sempre existir. Faz parte do futebol. Não pode colocar em jogo o meu caráter. Em minha carreira nunca fiz algo assim de propósito para me beneficiar, beneficiar meu clube. Nunca prejudiquei ninguém. Algumas coisas que fiz prejudicaram a mim mesmo. Não ia ser por causa de um gol que eu ia mudar o meu caráter.

Quando houve o episódio Rodrigo Caio [que confessou não ter acontecido uma falta que resultaria em cartão amarelo e suspensão para Jô] e você elogiou a atitude dele, seu pai deu uma entrevista dizendo que seu gesto havia sido bonito, mas que ele não sabia se você deveria ter feito porque depois poderia se voltar contra você. E isso aconteceu. Ele te disse algo?

Ele só falou que eu deveria ter analisado antes de ter falado. Foi a única coisa que ele disse. O que eu falei do Rodrigo Caio, em uma situação totalmente diferente, foi que ele teve hombridade e caráter de assumir a situação, e eu gostei daquilo. Vai gerar polêmica para o resto da vida. Mas continuo falando que a atitude dele foi maravilhosa.

A reação das pessoas está diferente hoje do que quando você começou a carreira por causa de redes sociais?

Está pior. A Internet dá coragem para muita gente. Escreve o que bem entende. Se fosse um diálogo frente a frente, a pessoa mudaria de opinião ou não teria coragem de dizer o que escreveu. Hoje é tudo pela internet. Eu estava olhando em casa o Instagram e tinha postagem de uma emissora perguntando, entre quatro propostas, qual o torcedor escolheria. O torcedor critica tanto o jogador quando troca de clube pela parte financeira e a maioria das respostas dizia que escolheria a China pelo dinheiro. Eram 90%. E quando o jogador escolhe ir para a China, a primeira coisa que ele é chamado é de mercenário.

Você acompanha, pelo jeito.

Acompanho. O mundo hoje em dia está na internet. A gente tem de acompanhar porque tem de saber o que é certo e o que é errado. Mas você tem de absorver as coisas boas e descartar as ruins porque tudo é aprendizado. Tem de ter discernimento e saber o que está acontecendo no mundo para saber que caminho tomar.

Você estava no elenco da seleção na Copa de 2014 e terminou daquele jeito, com o 7 a 1. A seleção é uma história inacabada para você?

Eu ainda sonho. A gente sabe que é difícil. Participei de um grupo em 2014 muito bom e que vinha se formando desde a Copa das Confederações de 2013. A gente sabe que o treinador tem uma ideia, jogadores que gosta, que tem como prioridade, mas é óbvio que está aberto. Minha esperança é saber que o Tite está sempre observando. Está difícil? Está. Mas não é impossível. Eu tenho essa chama de esperança de jogar a próxima Copa do Mundo.

Você acha que 2018 é sua última chance na seleção?

Para a Copa do Mundo seguinte, em 2022, será muito complicado. Mas não fecho o ciclo [depois do torneio na Rússia] porque tenho 30 anos e há amistosos, eliminatórias... Pensando em Copa, se não for nessa, vai ficar muito mais difícil. Meu objetivo é a Copa de 2018. Vou tentar até o final, até o último dia, a última hora da convocação final.

Passa pela sua cabeça recuperar o que poderia ter conquistado na carreira e não conquistou por problemas extracampo com noitadas, bebidas?

Já recuperei. O equilíbrio de dar preferência às pessoas que te amam e à profissão que coloca comida na sua casa e me dá o prazer de poder cuidar da minha família. Eu não tinha esse equilíbrio porque dava preferência a outras coisas. Saía, ia beber... Enfim, o que me garantia o meu pão de todos os dias escapava da minha mão. Consegui encontrar o equilíbrio e a recompensa profissional vem. Estou em um ano espetacular, um dos melhores da minha carreira. São frutos de uma pessoa que se cuida e que hoje dá valor ao trabalho, trata como uma profissão, não um passatempo qualquer.

Você lembra qual foi sua reação quando seu empresário avisou sobre a possibilidade de voltar para o Corinthians?

Lembro muito bem. Estava em Minas, em casa e o Giuliano [Bertolucci, empresário] me ligou dizendo que teve um almoço com o presidente do Corinthians e havia a possibilidade de voltar ao clube. Perguntou o que eu achava. Falei que seria minha maior alegria. Sou corintiano, sempre acompanhei o clube e sonhava, depois que saí, em voltar para o clube e parar de jogar. Disse ao Giuliano que o que eles propusessem podia aceitar que eu iria numa boa. O momento que eu vivia necessitava de um trabalho, e estar dentro de um clube que eu gosto seria perfeito.

Além da Libertadores, se o Corinthians te der uma valorização faz você abandonar qualquer sonho de Europa?

Vamos sentar, conversar e ver o que é melhor para o clube porque quando eu estava sem clube, quem abriu as portas para mim foi o Corinthians. Não é receber qualquer coisa e sair sem olhar para trás. Se houver algo, será colocado na mesa. Se pode cobrir, o que pode oferecer... Tudo é uma conversa. Eu sempre vou priorizar o Corinthians e sempre estarei disposto a ajudar. Minha família é de São Paulo, minha esposa é carioca e está amando São Paulo, estou fazendo o melhor ano da minha carreira. Não tem porque largar tudo isso para viver novas aventuras. Hoje eu tenho capacidade de sentar e ver o que é melhor para a minha família.

Não é só dinheiro.

Não é só dinheiro. Hoje eu vejo o que é melhor para a minha família. O clube abriu as portas para mim, paga o meu salário e faz com que eu consiga colocar comida dentro de casa. Eu não vejo só o dinheiro. Tem um contexto todo. Tudo o que for vontade da minha família e de Deus, eu vou priorizar.

-

RAIO-X

Nome
João Alves de Assis Silva, Jô

Nascimento
20.mar.1987 (30 anos),
em São Paulo

Principais títulos
-Brasileiro-2005 (Corinthians)
-Recopa Sul-Americana-2011/ 14 (Internacional e Atlético-MG)
-Copa Libertadores-2013 (Atlético-MG)
-Copa das Confederações-2013 (seleção brasileira)
-Copa do Brasil-2014 (Atlético-MG)
-4 estaduais


Endereço da página:

Links no texto: