Folha de S. Paulo


Alguns clubes nem ouviram oferta, diz diretor da Globo sobre direitos de TV

Eduardo Anizelli - 2.mar.2016/Folhapress
 SAO PAULO, SP, BRASIL, 02-03-2016, 21h45: Camera de transmissao durante jogo entre Corinthians e Independiente Santa Fe, da Colombia, valido pela fase de grupos da Copa Libertadores da America, no estadio Arena Corinthians, em Sao Paulo. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, ESPORTE) - DIREITOS DE TRANSMISSÃO BRASILEIRO
Câmera de transmissão de televisão em jogo da Libertadores, na Arena Corinthians

Desde novembro de 2015, o Grupo Globo promoveu mudanças em seu núcleo de direitos esportivos e anunciou que Pedro Garcia, 50, seria o responsável por dirigir o setor. Desde então, ele assumiu as rédeas da missão de negociar a assinatura de contratos de direitos de transmissão do Brasileiro com clubes do país.

Mesmo diante de um obstáculo novo –a concorrência do Esporte Interativo, do grupo multinacional Turner – e às custas de numerosos telefonemas, reuniões, almoços, jantares e cafezinhos–, Garcia teve sucesso em chegar a acordos com 19 clubes, 14 deles atualmente na Série A, pelos direitos de transmissão em TV fechada a partir de 2019.

Em entrevista à Folha, Garcia explica alguns dos principais temas que surgiram ao longo das negociações.

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Folha - No final de 2015, a área de esportes do Grupo Globo passou por um grande processo de renovação com a saída do Marcelo Campos Pinto e a implantação de uma estrutura diferente, com Pedro Garcia, Carlos Schroder, Alberto Pecegueiro e Jorge Nóbrega. O que mudou com essa alteração?
Foi um processo natural. Há muitos anos as negociações já eram feitas em parceria entre a TV Globo e a Globosat. O Marcelo Campos Pinto respondia pela negociação da TV aberta e eu já atuava na área de Direitos Esportivos da Globosat. Com a aposentadoria do Marcelo, unificamos os esforços e a área passou a responder pelo Grupo Globo, por isso criou-se um Comitê que conta com a participação de Carlos Henrique Schroder, Alberto Pecegueiro e Jorge Nóbrega. Mas nada é muito novo nesse movimento de sinergia e eficiência entre as empresas. Por exemplo, o SporTV, o Premiere e o Combate já são produzidos pelo Esporte da TV Globo desde 2004. O terreno já estava preparado para evoluirmos nessa direção. Procuramos ter um conteúdo de qualidade, com transmissão ampla e gratuita na TV aberta;com volume e variedade na TV fechada; e com exclusividade no Premiere.

No atual cenário econômico, como é para o Grupo Globo concorrer por direitos de transmissão de eventos esportivos com multinacionais como Turner, Fox e Disney?
Essa concorrência não é de hoje. A Globosat, braço de TV paga do Grupo Globo, sempre teve esses e outros concorrentes em diversas frentes, não só nos eventos esportivos. A concorrência é bem-vinda, contribui para a evolução do próprio mercado. Mesmo em um cenário difícil, a Globosat acredita que deve continuar a investir no futebol, já que o PPV é uma crescente fonte de renda para os clubes e o SporTV seu maior promotor.
E o nosso investimento não é apenas na compra dos direitos, mas também na excelência das transmissões, com tecnologia e recursos de referência entre as melhores emissoras do mundo e com uma equipe de profissionais, diante e atrás das câmeras, altamente especializada. O SporTV e o Premiere são 100% brasileiros e referências nos seus segmentos. Isso é motivo de orgulho e reflexo do nosso esforço diário de levar o melhor conteúdo, na melhor forma, para o nosso público e parceiros.

Por que a Globo decidiu mudar o modelo de distribuição dos direitos de TV para algo mais próximo do que é feito no Campeonato Inglês [divisão dos valores a partir de diferentes critérios, como número de jogos exibidos e posição na tabela, além da distribuição igualitária de parte do total]?
Acompanhamos a evolução do mundo no que diz respeito a novos modelos de negociações de direitos esportivos, transmissões e contratos, e temos consciência de que uma nova divisão da receita de TV reflete um desejo dos clubes. Este não é um movimento recente. Estamos discutindo e avançando em um amplo processo de negociação com os clubes há alguns anos. Acreditamos na nossa proposta. Todos os clubes se beneficiarão. O novo modelo traz uma proposta de distribuição ainda mais proporcional ao dividir uma verba significativa entre os clubes por critérios objetivos de equilíbrio (40% do total fixo), exposição (30% do total fixo) e premiação (30% do total fixo), além de preservar e seguir impulsionando o modelo de comercialização de jogos em sistema Pay-Per-View em modelo de divisão de receita junto aos clubes.
O modelo que propomos procura sempre alinhar os interesses do torcedor, que quer assistir a uma transmissão imparcial, emocionante e com qualidade; dos anunciantes e patrocinadores, que querem associar a sua marca a um esporte que é uma paixão nacional, que investem muito nessa transmissão porque acreditam no seu retorno; das operadoras de TV paga, que são parceiras importantes do futebol brasileiro, pois ajudam a levar este espetáculo a mais telas; e dos clubes, que têm no Grupo Globo uma parceria de anos, uma parceria que tem contribuído para a profissionalização do futebol brasileiro.

Quais têm sido as maiores dificuldades na negociação com os clubes?
Ficamos surpreendidos com alguns poucos clubes que, apesar do nosso relacionamento de tanto tempo, não quiseram nem ouvir nossa proposta ou nem avaliaram a fundo o que estávamos colocando na mesa para 2019 em diante. Apesar do SporTV ser o líder nas audiências de TV paga e ser a marca de referência de esportes na TV, não nos deram a chance de explicar em detalhes a nossa visão e o que propúnhamos.

Como a entrada de um concorrente na disputa pelos direitos de televisão, a Turner, afetou as negociações da Globo? Como a Globo tem visto a disputa com eles?
A concorrência é bem-vinda, pois contribui para nos aperfeiçoarmos. A TV Globo não foi afetada, pois os direitos que estão sendo negociados são os da TV paga. É importante que fique claro que não são os direitos da TV aberta que estão em jogo. Na TV paga, enfrentamos um cenário de enorme concorrência internacional, mas o Grupo tem uma sólida história de relacionamento com o futebol. Nossa proposta não é para um ano ou dois, é para uma vida comprometida com o futebol e seu espetáculo. Nós acreditamos que temos a melhor proposta para cada uma das janelas de transmissão e foi isso que a maioria dos clubes enxergou ao fechar conosco.

Sergio Zalis/Divulgação/Globo
Pedro Garcia diretor de direitos esportivos do Grupo Globo
Pedro Garcia diretor de direitos esportivos do Grupo Globo

As propostas da Globo foram aumentando progressivamente ao longo das negociações. Em entrevista à Folha, Edgar Diniz disse que a entrada do grupo na disputa fez com que a Globo aumentasse os valores. Você concorda?
Concordo! Qualquer concorrência faz com que os valores aumentem, em todos os tipos de negócios. Por conta da entrada do Esporte Interativo, o SporTV teve que aumentar seus investimentos mesmo com uma janela de TV paga restrita, mas vale lembrar que as nossas propostas para os direitos de transmissão dos campeonatos vêm aumentando há muitos anos. O Grupo Globo investe no futebol brasileiro há 30 anos. De forma crescente. De 2011 para cá, os clubes viram suas receitas com direitos e cotas de patrocínio crescerem bastante. Não é um movimento recente. Essas evoluções nas negociações não se fazem da noite para o dia. Como já disse,nunca se investiu tanto no futebol. Esta é uma negociação que envolve interesses muito diversos e que deve entregar benefícios a todas as partes.

A Globo conseguiu manter os principais clássicos para o período a partir de 2019. Quais foram seus trunfos nas negociações?
Os trunfos foram um modelo claro, transparente e vantajoso. Uma relação com os clubes de muitos anos, de construção de um modelo de desenvolvimento para o futebol. O nosso investimento [em direitos, tecnologia e pessoal] é pesado. Acreditamos que isso é o que tem feito com que a maioria dos clubes brasileiros confie na seriedade da nossa proposta —é o entendimento de que essa negociação tem que ser sustentável para os anunciantes, para as operadoras, para os clubes e para o torcedor. Não pensamos em um período de contrato, mas em um compromisso de longo prazo. Futebol é paixão, mas essa paixão fica melhor quando é cercada de profissionalismo, transparência e retorno.

Há uma queixa frequente entre torcedores em relação aos horários dos jogos durante a semana, que aconteceriam muito tarde e dificultariam a rotina das pessoas, seja para descansar, seja para pegar o transporte público. A Globo pretende mexer nisso no período?
Há uma confusão na pergunta, que mistura TV aberta com TV fechada. O que está em negociação, neste momento, são os direitos da TV paga. No SporTV, exibimos partidas de futebol em horários diversos, todos os dias da semana. Mas a sua pergunta é boa para esclarecermos também o caso da TV aberta. O horário da quarta à noite para o futebol na TV aberta é definido em conjunto com as federações e os clubes, e é muito valorizado exatamente porque garante ampla visibilidade aos clubes ea seus patrocinadores em horário nobre. É preciso esclarecer ainda que este horário impacta menos de 15% da quantidade de jogos do Brasileirão. Em 85% das partidas,as disputas acontecem durante o dia ou no início da noite. Este ano, as rodadas de quarta-feira à noite foram antecipadas em 15 minutos, começam agora às 21h45. A mudança favoreceu o torcedor que deixa o estádio e usa o transporte público para voltar para casa e permitiu que os torcedores de todos os estados passassem aassistir às partidas na íntegra, na TV aberta, mesmo nos locais onde havia problema por conta do fuso.

Na investigação que tem sido tocada pelo Cade, os clubes são perguntados se receberam alguma ameaça da Globo ao longo das negociações. O que você acredita que motivou esse tipo de questionamento?
Não posso dizer o que motivou, seria especulação pura. Mas o que posso falar é sobre a posição dos clubes. E ela é clara: não há qualquer tipo de ameaça do Grupo Globo aos clubes, de quem somos parceiros há muitos anos. Temos o reconhecimento, não só dos próprios clubes como do mercado, de investir para o desenvolvimentodo futebol. Caminhamos juntos há décadas e acreditamos nesta parceria para o futuro. Enquanto o futebol for importante para o torcedor, também será para o Grupo Globo.

A Globo tem sido alvo de protestos de torcedores como os de Corinthians, Santos e Palmeiras. Como a emissora vê essas manifestações? Por que acha que elas têm acontecido?
Respeitamos o direito à livre opinião, essa é uma das premissas mais valorizadas pelo Grupo Globo. Futebol é paixão e a torcida é movida por ela. Do mesmo jeito que somos criticados por um grupo por favorecimento a um clube, a torcida rival nos acusa da mesma coisa. O que aponta para o equilíbrio que buscamos nas nossas coberturas e na visibilidade que damos aos times. Do nosso lado, o que fazemos é trabalhar duro com os clubes para ajudar no desenvolvimento do futebol nacional,para valorizar nossos atletas e a relação do torcedor com seu time.

No caso de torcedores de clubes como Santos e Palmeiras, há a queixa de que poucos jogos de seus times são transmitidos na TV aberta. Por que isso ocorre? Pretendem tomar alguma atitude nesse sentido?
De novo, aqui há uma distorção. O que está sendo discutido são os direitos da TV paga, e não da TV aberta. Na TV paga, no caso o SporTV, trabalhamos para oferecer volume e variedade, com jogos de todos os clubes para várias regiões do país. O nosso objetivo é dar a possibilidade ao fã de acompanhar seu time em todos os campeonatos de que participa. Por isso, o Grupo Globo exibe, todos os anos, uma média de 1.700 jogos de futebol ao vivo, considerando todas as competições, em todas as mídias.

De acordo com a Lei Pelé, uma emissora só pode transmitir uma partida de que tenha os direitos de transmissão de ambos os clubes. A partir de 2019, desenha-se um cenário no qual clubes fechados com o SporTV enfrentarão clubes que assinaram com o Esporte Interativo. Esses jogos ficarão fora da TV fechada ou o senhor vê a possibilidade de um acordo entre as emissoras?
Ainda é cedo para responder sobre 2019, não sabemos nem quais serão os times da Série A. Mas compartilhar direitos com outras emissoras, seja na TV aberta ou na TV fechada, não é novidade para o Grupo Globo. Estamos sempre abertos a conversas que visam o melhor para o torcedor, desde que haja espaço e condições objetivas para isso.

Nas negociações com os clubes, surgiu o argumento de que o Esporte Interativo não teria estrutura técnica para fazer transmissões do mesmo nível que as atuais da SporTV. Vocês concordam com essa análise?
Não tenho como avaliar isto, não tenho conhecimento sobre o planejamento e o investimento da Turner e do Esporte Interativo para esta transmissão. O que posso garantir é que colocamos toda a nossa estrutura a serviço do futebol, essa grande paixão dos brasileiros.

A Globo afirma que Santa Cruz e Figueirense fecharam contratos com ela, mas o Esporte Interativo diz que os clubes já assinaram contrato com ela pelo mesmo período. Como a Globo enxerga esse imbróglio? Acredita que manterá o acordo com os clubes?
Claro que sim, confiamos nos clubes, que sabem das imensas vantagens das nossas propostas. Fechamos acordos com o Santa Cruz e com o Figueirense.

DISPUTA DAS TVS - As negociações pelo direito de transmissão em TV fechada a partir de 2019


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