Folha de S. Paulo


Menina de 16 anos é aposta do atletismo dos EUA na Rio-2016

Melissa Golden - 13.dez.2015/The New York Times
A americana Candace Hill, 16 anos, se prepara para disputar as provas de 100 m e 200 m na Rio-2016
A americana Candace Hill, 16 anos, se prepara para disputar as provas de 100 m e 200 m na Rio-2016

Quando Candace Hill se tornou a adolescente mais rápida das pistas de atletismo norte-americanas, registrando um tempo de 10,98 segundos para os 100 metros rasos, em junho, ela subitamente não só provou estar em condições de disputar a Olimpíada do Rio de Janeiro, no ano que vem, mas demonstrou potencial de conquistar uma medalha. Agora, aos 16 anos, ela se tornou a mais jovem atleta de pista dos Estados Unidos a se profissionalizar.

Hill é a mais recente representante de uma nova onda de talentosas velocistas a optar pela profissionalização ainda antes de concluir o segundo grau, passando direto para as provas pagas e deixando de lado o tradicional caminho do atletismo universitário. É um percurso que nem mesmo ganhadores do ouro olímpico como Carl Lewis, Jackie Joyner-Kersee ou Edwin Moses optaram por seguir.

"Vivemos a era das garotas, em termos gerais", diz Lauren Fleshman, atleta profissional e cinco vezes campeã da NCAA (a associação de esportes universitários dos Estados Unidos) pela Universidade Stanford.

"As mulheres jamais tiveram uma posição de marketing tão forte nos esportes, do futebol nos Estados Unidos a Serena [Williams]. Pouco mais de 40 anos depois do Título IX [a mudança de normas que colocou as mulheres em igualdade de condições com os homens no atletismo universitário norte-americano], temos nossa primeira geração de pais participativos e treinadores que já se formaram com a ideia de que mulheres atletas não são algo horripilante. As pessoas agora treinam as meninas com mais intensidade que nunca".

Ela acrescentou que "desistir de fazer universidade é atraente por três motivos: dinheiro, fama e ímpeto".

Allyson Felix decidiu se profissionalizar em lugar de correr pela Universidade do Sul da Califórnia, em 2003, e se tornou uma das mais bem sucedidas velocistas da história, nos Estados Unidos. Pelos 10 anos seguintes,

Felix foi a única atleta de pista a trocar a universidade pelo profissionalismo, até que Mary Cain, cuja especialidade são as provas de média distância, assinou com a Nike aos 17 anos em 2013, antes de se matricular na Universidade de Portland. Sua decisão abriu as portas a uma multidão de seguidoras.

Depois de Cain veio a fundistas Alexa Efraimson, que assinou com a Nike aos 17 anos em 2014. No começo deste ano, Kaylin Whitney, que havia estabelecido o recorde escolar dos 100 metros rasos que Hill mais tarde demoliria, assinou com a Nike em seu 17º aniversário. Ajee' Wilson, especialista em provas de média distância, se profissionalizou ao concluir o segundo grau, em lugar de optar por defender uma equipe universitária, em 2012.

Mas nenhuma delas conquistou o destaque que Hill vem obtendo. O potencial dela é considerado tão imenso que a atleta conseguiu um contrato incomum com a Asics, uma fabricante de calçados e roupas esportivas. O contrato cobrirá o custo total da educação universitária de Hill —que tem nota média de 4,6 em uma escala de zero a cinco pontos e é uma das 10 melhores alunas em sua escola, perto de Atlanta— em qualquer instituição que ela escolha. O contrato, cujo prazo de 10 anos também é incomumente longo, serve na prática à mesma função que uma bolsa universitária de atletismo, ainda que Hill, que planeja fazer a universidade enquanto disputa torneios profissionais, não seja elegível para correr no circuito universitário. (A Asics e Hill se recusaram a discutir os termos financeiros de seu arranjo.)

Melissa Golden - 13.dez.2015/The New York Times
Candace Hill conversa com seu técnico Tony Carpenter durante treinamento em Piedmont, em Atlanta
Candace Hill conversa com seu técnico Tony Carpenter durante treinamento em Piedmont, em Atlanta

"Candace é tão boa nos estudos quanto no atletismo, e isso é algo que nos interessou", disse Gene McCarthy, presidente-executivo da Asics America Group. "Para nós, ela é como um cometa Halley do esporte,, uma adolescente com tremendos dotes físicos e intelectuais. Com tanto talento e tanta garra, estamos apostando que ela um dia venha a ser a mulher mais veloz do planeta".

A ascensão de Hill, das provas juvenis de atletismo de pista na Geórgia ao cenário nacional e agora internacional, aconteceu em questão de meses, quando ela emergiu de uma equipe comum de atletismo colegial tendo passado por pouco treinamento especializado. Ela perdeu sua primeira prova no segundo grau, para uma aluna que estava para concluir o curso secundário, e depois disso venceu todas as corridas que disputou.

Agora, em lugar de disputar provas colegiais ela ingressará no circuito mundial de atletismo profissional, pela primeira vez disputando prêmios financeiros contra os atletas mais velozes do planeta.

Ela continua a ser uma menina que está no começo do segundo grau, e alterna sem dificuldades suas conversas sobre desejar vencer todas as provas que disputa e poses para selfies ao lado de Usain Bolt, discorrendo também sobre o vestido que usou em um baile da escola esta ano e lamentando que uma das notas de seu boletim escolar não era fosse A. ("Química...") Nos dias em que corre, seu café da manhã consiste de cereais da marca Froot Loops.

"A decisão de me profissionalizar agora foi difícil porque não posso continuar disputando provas com minha equipe na escola e nem correr por uma universidade", ela disse. "Mas quero me tornar mais rápida, e a hora parecia propícia para um novo passo".

As seletivas olímpicas norte-americanas que acontecerão em julho do ano que vem em Eugene, Oregon, aceleraram o cronograma para sua decisão de se profissionalizar, por conta do treinamento especializado e dos benefícios financeiros de que uma atleta profissional desfruta. Hill é a mais jovem atleta de pista a se qualificar para as seletivas norte-americanas tanto nos 100 quanto nos 200 metros rasos, e este ano registrou o oitavo melhor tempo nos 100 metros rasos, entre as mulheres dos Estados Unidos.

"Existe algo de mágico em romper a barreira dos 11 segundos nos 100 metros, especialmente para uma pessoa tão jovem, e foi esse o momento em que ela emergiu", diz Mark Wetmore, o agente de Hill. "Competir no nível universitário não parecia mais valer a pena para ela, porque na segunda série do segundo grau ela já transcendeu esse nível. Subitamente, ela se tornou parte de toda conversa sobre o futuro dessa modalidade".

Seu tempo de 10,98 segundos, conquistado ao final de seu segundo ano no segundo grau, teria lhe valido a terceira posição no campeonato de atletismo a céu aberto da primeira divisão da NCAA, em 2014. (E seria equivalente ao posto da medalhista de bronze na Olimpíada de Pequim em 2008.)

Não importa o talento de um atleta, não é comum que eles se profissionalizem nas provas de pista enquanto ainda estão no segundo grau, especialmente porque isso significa renunciar a uma bolsa universitária de atletismo.

Melissa Golden - 13.dez.2015/The New York Times
A atleta Candace Hill, 16, descansa após treino
A atleta Candace Hill, 16, descansa após treino

"O valor de ser uma atleta de ponta no nível secundário tradicionalmente é pago em termos de bolsas de estudo universitárias, que em geral atingem a casa dos US$ 250 mil, independentemente de a pessoa se profissionalizar ou não depois", diz Wetmore. "E número decrescente de atletas profissionais nas provas de pista vêm conseguindo se sustentar só com o esporte".

Antes do contrato com a Asics, Hill estava considerando estudar na Universidade do Sul da Califórnia ou na Universidade da Flórida, por conta de seus fortes programas de atletismo de pista. Ela quer estudar biologia e mais tarde se especializar em medicina esportiva ou se tornar jornalista de esportes. Dado o número limitado de bolsas de estudo plenas disponíveis no atletismo de pista, pode ser difícil encontrar o programa universitário e o treinador ideais.

Mas agora ela se tornou parte da tendência de profissionalização dos atletas adolescentes. Os demais velocistas que tomaram esse caminho nos últimos anos vêm apresentando resultados irregulares, com alguns enfrentando dificuldades para manter a competitividade depois da profissionalização, uma questão às vezes atribuída ao estresse adicional que a sobrecarga de treinamentos impõe a corpos mais jovens.

A Asics e sua equipe de desenvolvimento afirmaram que têm o compromisso de permitir que Hill se desenvolva em seu próprio ritmo - o que é garantido por um contrato que durará até o pico de seu desenvolvimento atlético, aos 26 anos.

"O que é interessante é que ela melhorou tanto de modo repentino, e nada mudou em sua rotina", disse Wetmore. "Assim, para o futuro acreditamos que seja importante evitar mudar as coisas, a não ser os competidores nas outras sete raias".

Isso também significa, de acordo com o contrato de Hill, que ela ainda poderá ir ao seu baile de formatura, e provavelmente continuará a fazer seus trabalhos escolares entre uma e outra prova classificatória dos campeonatos de atletismo. O pai dela, Gary Hill, lembra de ter precisado dirigir em alta velocidade de uma pista de atletismo até um café dotado de rede Wi-Fi nas cercanias para que Candace pudesse entregar no prazo um trabalho escolar.

"Meus professores realmente me apoiam, mas quando tenho um prazo, não me dão tempo adicional", disse Candace Hill. "Eles brincam e dizem que até os campeões mundiais precisam fazer a lição de casa".

Os pais de Candace continuam a levá-la de carro à escola e às sessões de treinamento, todos os dias. A Asics garantirá que seu pai, técnico na United Airlines, e sua mãe, Lori Hill, técnica em saúde mental, a acompanhem a todos os campeonatos, e o mesmo valerá para Rachel, a irmã mais nova de Candace.

"Nós íamos a todas as provas e torcíamos por ela", disse Gary Hill. "As vitórias dela nos fascinavam. Ela era boa demais. Mas a profissionalização foi inesperada. Tenho uma estante de troféus repleta de placas comemorando suas vitórias no estado, e com espaço para mais dois anos de vitórias. Mas ela deixou tudo isso para trás".

Uma das coisas que mudou foi o treinamento de Hill. Ela começou a trabalhar com um novo treinador, 10 semanas atrás, e está sendo orientada por Tony Carpenter, depois de sua marca recorde em junho. (A Asics diz que não influenciará as escolhas dela quanto a treinadores, mas que a ajudará e apoiará o processo.) Carpenter colaborará com o treinador de atletismo da escola de Hill e com outros profissionais.

Carpenter treina atletas de pista há 20 anos, entre os quais campeões mundiais juvenis e velocistas profissionais como Veronica Campbell-Brown, medalhista olímpica pela Jamaica. Agora que Hill já não tem sua equipe colegial com a qual treinar, Carpenter montou um grupo de atletas regionais de ponta, de todas as idades, para acompanhá-la nos treinamentos.

"Nosso foco é a longevidade", disse Carpenter. "Queremos manter as coisas divertidas e normais para Candace enquanto ela ainda está na escola".

Ele conta que na primeira vez que viu Candace correr, aos 13 anos de idade, ficou impressionado com seu talento natural e sua natureza competitiva.

"Ela sempre foi muito promissora, e dado o fato de que ainda é tão jovem, creio que estamos vendo apenas o começo daquilo que ela será capaz de fazer", ele disse. "Ela só pratica o atletismo há quatro anos. E nem mesmo chegou às provas de pista vinda do futebol ou de outro esporte. Veio de pequenas corridas amadoras nos dias de esporte de sua escola de primeiro grau".

Hill afirma estar se concentrando em ganhar mais velocidade, enquanto tenta administrar a sua nova pista rápida, tanto na escola quanto no esporte.

"Ainda fico nervosa nos dias de provas, seja uma competição local ou uma competição no palco mundial", ela disse. "Porque você nunca sabe o que vai acontecer. Você nunca sabe o quanto ainda pode melhorar".

Melissa Golden - 13.dez.2015/The New York Times
Candace Hill, 16, posa para a foto em Atlanta
Candace Hill, 16, posa para a foto em Atlanta

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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